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Brasília é a máxima do muda-se tudo para não se mudar nada

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Por Isabela Rahal e Giovanni Mockus
Atualização:
Isabela Rahal e Giovanni Mockus. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Alterar as regras do jogo eleitoral tem o potencial de mudar completamente o resultado final de uma eleição. As mudanças podem favorecer um grupo e desfavorecer outro, consagrando vencedores aqueles que, em outro contexto, poderiam não ter chance alguma. Podem, inclusive, influenciar a decisão das pessoas em se candidatar ou não às eleições.

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Os parlamentares no Congresso Nacional sabem disso e já é comum a "sazonal reforma eleitoral" em ano pré-eleitoral. É fato que, no período democrático, nunca houve duas eleições seguidas com a mesma legislação. Sempre há mudanças, quase sempre com o objetivo de garantir a reeleição dos que lá já estão. Não se trata de uma questão ideológica. A auto sobrevivência política é suprapartidária.

Como de costume, esse foi o pano de fundo da discussão e votação da PEC 125/11, que teve o objetivo de definir as regras do jogo eleitoral de 2022.

Depois de meses de debates na Comissão Especial e no Plenário da Câmara dos Deputados, em que foram aventadas as mais diversas mudanças na legislação, desde um novo sistema eleitoral, até uma nova data de posse para governadores e prefeitos, pouca coisa de fato mudou. A grande discussão das últimas semanas girou em torno do Distritão, um sistema eleitoral que privilegia quem tem mais dinheiro e exposição, desprezando o desempenho dos partidos políticos e a proporcionalidade das representações da sociedade, prejudicando ainda mais a representatividade de negros e mulheres.

O debate se reduziu à proposta do Distritão e isso foi lamentável. É importante destacar essa questão, porque a polarização "distritão-não distritão" impediu a sociedade e os parlamentares de discutirem questões verdadeiramente relevantes e positivas para o aperfeiçoamento da nossa democracia. Empenha-se tempo impedindo retrocessos na nossa democracia e não conseguimos avançar em propostas interessantes, como os mandatos coletivos, o sistema distrital misto e a reserva de cadeiras para mulheres e negros. Ao final, também pela forte mobilização da sociedade, a proposta caiu. Mas só caiu em um acordo duvidoso feito em Plenário, que trocou o Distritão por outro dispositivo também danoso para a representação social e que o Congresso Nacional já havia banido da nossa legislação na última reforma (2017): as coligações proporcionais.

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Até as eleições de 2018 - que inclusive elegeram este Congresso - era permitido que dois ou mais partidos se unissem em coligação para atingirem juntos os quocientes necessários para eleger parlamentares. A desobrigação dessa aliança ser feita em cima de uma base programática, distorcia o resultado eleitoral. Era comum, por exemplo, o eleitor votar em uma candidatura de direita e ajudar a eleger outra de esquerda, e vice-versa.

Apesar da PEC 125/11 ter sido aprovada pela Câmara, ficou ainda em tramitação o PLP 112/21, que representa uma reforma no Código de Processo Eleitoral. Entre outros pontos, o projeto diminui a transparência nas prestações de contas eleitorais, dificulta a punição de crimes e pode abrir brechas para o desvio de dinheiro transferido a candidaturas femininas. O Presidente Arthur Lira já manifestou a intenção de pautar o projeto nas próximas semanas.

Um ponto primordial de cada projeto de lei que trabalhamos é entender "qual é o problema que esse projeto busca resolver". No caso da reforma eleitoral que tramita no Congresso, quando se faz esse questionamento, ouve-se um silêncio retumbante. Isso porque a resposta não é algo que os parlamentares favoráveis à reforma estejam dispostos a dizer em voz alta: "muda-se tudo para não se mudar nada", a máxima que reina em Brasília. Na ausência do Distritão, que seria capaz de manter o status-quo com maior facilidade, aprova-se a volta das coligações proporcionais, também capazes de garantir a manutenção do poder daqueles que já estão lá.

A mobilização por questões políticas é sempre um desafio. O nosso sistema, propositalmente, ressalta-se, é complexo e pouco entendido pela população. A contabilidade de votos e a tecnicidade de distribuição de recursos são questões que não apaixonam. Mais, se queremos uma política mais justa, mais representativa, uma democracia mais saudável e, consequentemente, um país mais desenvolvido, precisamos encarar esse desafio com todas as nossas forças. Hoje, a mobilização da sociedade civil é nossa maior arma. Foi a responsável pela derrubada do Distritão na Câmara dos Deputados e pode ser a responsável pela derrubada das mudanças do Código Eleitoral e das Coligações no Senado Federal

Em tempos de instabilidade democrática, é fundamental simplificar, traduzir e demonstrar que as regras do jogo são, virtualmente, a parte mais importante da nossa democracia. Elas são a porta de entrada na política, definem quem joga e como se joga. Nós não conseguiremos ter uma política verdadeiramente representativa e nem uma democracia sólida enquanto essas regras forem enviesadas e excludentes.

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*Isabela Rahal é mestre em Desenvolvimento Econômico e Político pela Universidade de Columbia e especialista em políticas públicas. Coordenadora legislativa da deputada Tábata Amaral na Câmara dos Deputados e coordenadora de parcerias da ONG Elas No Poder

*Giovanni Mockus é gestor de políticas públicas pela Universidade de Brasília e porta-voz (presidente) da Rede Sustentabilidade no Estado de São Paulo. Coordena a equipe legislativa e jurídica da líder da Rede, deputada Joenia Wapichana, na Câmara dos Deputados

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