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Brasil: um caso de xenofobia fiscal?

Por Paulo César Teixeira Duarte Filho
Atualização:
Paulo César Teixeira Duarte Filho. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Protecionismo é um conjunto de instrumentos utilizados pelo governo de um país para dificultar, encarecer ou proibir a entrada de mercadorias estrangeiras em território nacional, sob o argumento de proteger a indústria doméstica contra a concorrência internacional. Esses instrumentos costumam ser de diversas espécies, como desvalorização da moeda para encarecer o produto estrangeiro, aumento ou criação de tributos aduaneiros, instituição de obrigações à entrada desses produtos, demora no despacho aduaneiro, exigência de moeda local para as transações, exigência de produção no país para contratação com poder público, subsídios à produção local etc.

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A prática do protecionismo no Brasil tem uma história iniciada ainda no período do Império, com motivações fortemente nacionalistas e, de certa forma, com cunho anti-português, passando a desempenhar um papel dentro de sua política econômica. Esperava-se desenvolver uma plataforma industrial, migrando de uma economia agrária. Contudo, há sérios questionamentos à efetividade dessas medidas em uma economia de mercado, já madura, até sobre resultados danosos à economia, aos consumidores, principalmente os mais pobres, e à própria indústria via efeito rebote.

Nosso objetivo não é adentrar no mérito dessas medidas protecionistas, mas esclarecer ponto específico sobre o papel que o Brasil assumiu perante a comunidade internacional, assinando acordos diversos, assim como perante seus cidadãos, quando insculpiu diversos princípios na Constituição Federal: o Brasil não pode, de forma geral e sem critérios, discriminar produtos estrangeiros em relação aos nacionais, em especial após nacionalizados - seja por ser membro da OMC, ter assinado o GATT e o Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias, por fazer constar em sua Constituição os princípios da isonomia, não discriminação, livre concorrência, dentre outros - a não ser em casos específicos e na medida de sua razoabilidade. Também não pode subverter fatos geradores de tributos, previstos constitucionalmente, para, à sua conveniência, favorecer setores ou aumentar arrecadação.

Se o intuito é defesa comercial, existem mecanismos próprios e ainda aceitáveis: (i) Imposto de Importação - II, de caráter extrafiscal e facilmente utilizado pelo Governo Federal; (ii) quando verificada prática desleal de concorrência, a aplicação de medidas antidumping ou direitos compensatórios; (iii) quando houver aumento desordenado de importações, as medidas de salvaguarda. Mas não é apenas isso que o Governo utiliza e não é apenas defesa comercial que pratica.

Ao chegar ao Brasil, o produto importado recebe a incidência de II, IPI, PIS-Importação, COFINS-Importação, do ICMS, se a mercadoria vier por transporte marítimo, incidirá o Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante - AFRMM; por fim, a cada declaração de importação e adições, haverá pagamento da Taxa Siscomex. Por outro lado, os mesmos produtos quando são produzidos no país, saem da indústria brasileira com incidência de IPI, PIS, COFINS e ICMS.

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Já se observa uma diferença considerável no mero número de tributos incidentes. Além dos tributos incidentes em ambas as operações - mais do que justificável para fins de isonomia de carga e tratamento - os produtos estrangeiros são tributados ainda pelo II, AFRMM e Taxa Siscomex.

Muito embora o II seja tolerado pelos acordos internacionais, pelo menos temporariamente, e o AFRMM e a Taxa Siscomex sejam tributos de menor monta, os tributos restantes também apresentam gravames maiores aos importados, em relação aos nacionais: a alíquota combinada de PIS e COFINS na importação é, em geral, 11,75%, em comparação à alíquota de 9,25% ou de 3,65% nas operações internas; adicionalmente, a base do ICMS na importação inclui necessariamente o IPI, o que ocorre nas operações internas, somente quando a indústria vende mercadoria a consumidor final ou para compor ativo ou ser usada como uso e consumo por empresas.

Portanto, há um sem número de intervenções do Legislativo e do Executivo na tributação aduaneira, que não só igualam a carga sobre os produtos importados em relação aos nacionais, mas a ultrapassam brutalmente.

Entretanto, não só do velho, mas vivo, protecionismo apontado acima sofre o produto importado. Após a nacionalização e o pagamento de todos os tributos sobre a importação, portanto já são mercadorias nacionalizadas, essas são submetidas a mais uma discriminação (!).

Existe mais uma sensível diferença na revenda de mercadorias pelo comerciante, quando importadas ou adquiridas de uma indústria nacional: enquanto na revenda de mercadorias importadas, a lei exige um novo pagamento de IPI (além de ICMS, PIS e COFINS); quando o comerciante revende a mercadoria que comprou da indústria nacional, o IPI não incide novamente.

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Este tema estava sendo recentemente julgado pelo Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário n. 946.648, já com relatório e voto a favor dos contribuintes pelo Ministro Relator Marco Aurélio, mas o julgamento foi suspenso por pedido de vista do Ministro Alexandre de Moraes.

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Não se trata, portanto, de protecionismo clássico, mas de algo mais grave, uma xenofobia estatal, institucionalizada via tributos, contra produtos estrangeiros: uma verdadeira "xenofobia fiscal". Essa objetificação da xenofobia, colocando-se os produtos estrangeiros como vilões ou causadores de problemas internos, evidencia uma política retrógrada, odiosa, hostil, contra inúmeros princípios constitucionais e contra os acordos internacionais assinados pelo país.

A recente manifestação de interesse em entrar na OCDE mostra, ainda mais, a necessidade de o Brasil se livrar dessas amarras pré-históricas e reprováveis. Quem perde somos nós, contribuintes e consumidores, quem perde é o país.

A indústria tem que ser valorizada, incentivada, comemorada, mas não se deve um país que se quer sério, inserido em contexto internacional e defensor do Estado Democrático de Direito, se valer de medidas estapafúrdias e atrasadas. Por mais desburocratização, menos custos de compliance, mais infraestrutura, mais segurança jurídica, mais Ordem, mas, principalmente, mais Progresso.

*Paulo César Teixeira Duarte Filho, doutor em Direito Econômico pela Universidade de Ciências Econômicas de Viena (Wu), mestre pela Universidade de Munique (LMU), bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Advogado e sócio do escritório Stocche Forbes Advogados, em São Paulo

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