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Brasil: paraíso fiscal das heranças?

Por Ester Santana
Atualização:
Ester Santana. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Em razão da crise gerada pela pandemia da covid-19, Estados, Municípios e a União têm estudado medidas para garantir a saúde das finanças públicas, bem como têm buscado fontes de recursos para o auxílio dos mais necessitados.

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Com base nesse contexto estão surgindo ou ressurgindo projetos de lei visando aumentar a tributação sobre a renda e patrimônio. Além dos já conhecidos projetos que trazem a tributação sobre grandes fortunas e tributação de dividendos, a própria forma de tributação da herança e doações vem ganhando força no campo político-legislativo.

Sabe-se que o Brasil é um dos países que menos tributam a herança e patrimônio. No entanto, também é um dos países que mais tributa a cadeia de produção e consumo.  Assim, mesmo antes da pandemia, discussões no campo político-legislativo estavam sendo travadas com relação a necessidade de uma reforma tributária que alterasse a estrutura fiscal do país, tanto no que se refere à tributação do consumo, quanto com relação à tributação da renda e do patrimônio, uma vez que a atual estrutura é uma das alegadas causas para a alta concentração de renda no país.

No esteio de adotar medidas visando à mitigação dos efeitos da pandemia, bem como acompanhar o mundo em termos de tributação da herança, em 17/04/2020, foi publicado o Projeto de Lei nº 250/2020, de autoria dos deputados estaduais Paulo Fiorilo (PT) e José Américo (PT), alterando as regras do ITCMD (imposto sobre transmissão causa mortis e doação) no Estado de São Paulo.

Em resumo, além de aumentar a alíquota do ITCMD dos atuais 4% para alíquotas progressivas por faixas de valores até atingir o patamar máximo de 8% para bens que ultrapassem o valor de 90.000 UFESPs (R$ 2.484.900,00), o projeto traz significativas alterações na legislação.

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Primeiramente, amplia a definição de contribuintes e responsáveis pelo recolhimento do imposto. O PL 250 define como contribuinte do ITCMD qualquer pessoa que seja beneficiário, assim entendido a pessoa em favor do qual tenha se operado a doação ou transmissão causa mortis de um bem ou direito.

Com isso, poderá haver espaço para o fisco estadual atingir os beneficiários de trusts e fundações privadas, estruturas muito utilizadas em planejamentos sucessórios internacionais e que até hoje não encontram regulamentação clara sobre o seu tratamento jurídico no Brasil.

Há muito os Estados buscam atingir heranças de patrimônio no exterior, porém a pretensão costuma ser banida, diante de diversos precedentes judiciais que afastam tal possibilidade por ser necessária a existência de lei complementar.

Com o projeto, as entidades de previdência complementar passam a ser responsáveis solidárias pelo recolhimento do ITCMD, já que PGBL e VGBL perdem a atual isenção.

Outro ponto importante diz respeito à doação de bens com reserva de usufruto. É comum famílias anteciparem a transmissão do patrimônio aos herdeiros valendo-se da doação com reserva de usufruto. Assim, por exemplo, os pais doam quotas das empresas para os filhos, reservando para si, enquanto vivos, os direitos políticos e econômicos de tais quotas.

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A doação com reserva de usufruto sujeita-se a uma tributação baixa, pagando-se o ITCMD sobre apenas 2/3 do valor do bem doado. Porém, de acordo com o projeto serão aplicadas as alíquotas cheias no momento da doação com reserva de usufruto, sem redução de base.

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Ainda, de acordo com a regra atual, não apenas a alíquota do ITCMD é baixa, mas a base de cálculo também. Por exemplo, para as participações societárias de empresas sem negociação em bolsa, a base de cálculo é o valor do patrimônio líquido.

O projeto de lei exige que o ITCMD seja calculado sobre o valor de mercado dos bens, tal como já acontece em muitos países. Assim, na transferência de participação em empresas que não possuem negociação em bolsa de valores, o valor a ser considerado é o patrimônio líquido, ajustado pela reavaliação dos ativos e passivos, incluindo-se a atualização dos ativos a valor de mercado até a data do fato gerador. Ou seja, caso o PL 250 seja aprovado, os contribuintes deverão idealmente preparar um laudo de avaliação da empresa.

Em relação aos imóveis, o novo projeto prevê que o valor de mercado será divulgado pela Secretaria da Fazenda e, enquanto isso não ocorrer, a base de cálculo será o valor utilizado para cálculo do ITBI, no caso de imóveis urbanos.

Ainda que o projeto seja aprovado parcialmente ou nem seja aprovado, fato é que mais cedo ou mais tarde a tributação sobre patrimônio e herança será revista, já que se tributa muito pouco daqueles que, em tese, poderiam contribuir com mais. Por outro lado, essa alteração como medida isolada, sem que haja uma alteração na estrutura tributária do país como um todo, será pouco ou nada eficaz, vez que enquanto houver, de um lado elevada tributação sobre a empresa e na cadeia de produção e consumo, e de outro, elevada tributação sobre a renda e patrimônio, os contribuintes de alta renda serão estimulados a adotarem medidas de planejamento visando o não atingimento de seu patrimônio pessoal, não sendo descartada, nessa hipótese a mudança de país.

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*Ester Santana, sócia-fundadora do CSA Chamon Santana Advogados e advogada especialista em Direito Tributário

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