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Brasil desperdiça chance de usar genéricos contra pandemia

Lei de Patentes impede que remédios para comorbidades e sequelas da Covid-19 sejam produzidos de forma não exclusiva

Por Gustavo Svensson
Atualização:

Gustavo Svensson. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

O brasileiro confia nos medicamentos genéricos. Desde as primeiras concessões de registro para esse tipo de fármaco, há mais de duas décadas, nossa população pode comprovar a eficácia de medicamentos genéricos, e com uma vantagem: a diferença no preço. Por lei, os genéricos chegam à farmácia no mínimo 35% mais baratos; em alguns casos, essa economia bate os 90%.

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Não é surpresa, portanto, que eles representem mais de um terço de todo o mercado de medicamentos do Brasil. Sem contar que mais de 60% dos genéricos vendidos aqui são produzidos por empresas nacionais, responsáveis por milhares de empregos diretos e indiretos.

Nosso sistema de saúde também sai ganhando. Além da economia para os cofres públicos, os genéricos podem ser fabricados simultaneamente por mais de uma companhia, o que diminui o risco de desabastecimento dos hospitais. Desnecessário sublinhar a importância disso em meio à pandemia do coronavírus, que vem pressionando de forma inédita a capacidade de atendimento das nossas redes pública e privada.

Apesar de toda essa relevância, a indústria do genérico enfrenta graves empecilhos jurídicos, que impedem uma disseminação ainda mais ampla desses medicamentos para a população brasileira.

Um dos principais problemas enfrentados pelo setor tem a ver com nossa legislação de patentes. De acordo com a Constituição, uma patente deveria valer por no máximo vinte anos. Esse prazo, acordado internacionalmente, procura equilibrar dois tipos de interesses legítimos.

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De um lado, é preciso assegurar o direito do inventor de explorar economicamente sua criação. Sem isso, não haveria retorno financeiro para os investimentos em pesquisa e tecnologia, eliminando, portanto, um dos motores da inovação científica.

Por outro lado, essa proteção tem que ser temporária, ou a ciência também sai perdendo. Monopólios bloqueiam o aparecimento de novos inventores, além, é claro, de puxarem para cima o preço dos bens patenteados.

No Brasil, Lei de Propriedade Industrial (LPI), responsável por reger a concessão de patentes em solo nacional, nos presenteia com uma jabuticaba. Apesar das invenções já ficarem protegidas contra a exploração por terceiros a partir da abertura de um pedido de patente, a LPI manda contabilizar a vigência dessa proteção somente após seu "registro oficial". Ou seja: o longo tempo de tramitação dos pedidos de registro, o que chega a exceder uma década, se torna extensão informal no prazo de validade das patentes, estourando completamente o teto constitucional de vinte anos.

O setor farmacêutico é desproporcionalmente atingido por essa brecha na lei. Mais de 90% dos medicamentos elegíveis para uma extensão de patente de fato conseguiram o benefício. Isso significa que centenas de remédios cujas patentes, segundo a própria Constituição, já deveriam ter caído, continuam vetados para produção e comercialização na forma de genéricos.

O fato seria grave em qualquer contexto, mas ele se torna ainda mais alarmante frente aos desafios impostos pela atual pandemia. Menos genéricos disponíveis significa menos opções de fármacos para os profissionais de saúde e, potencialmente, menos vidas salvas. Ademais, nossos gestores são obrigados a desembolsar mais do que o necessário para adquirir medicamentos que já deveriam estar no chamado "domínio público".

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Um exemplo de como o setor é atingido por esse entrave é o caso do laboratório EMS, o maior de medicamento genéricos do país, que teve de investir na Sérvia para a construção de uma nova fábrica para produzir fármacos genéricos à base de liraglutida pelo simples fato de que naquele país europeu a fórmula está em domínio público, enquanto no Brasil conta com proteção patentária por causa da extensão prevista no parágrafo único do artigo 40 da LPI.

O Supremo Tribunal Federal tem uma chance de corrigir essa situação. Neste mês, a corte julgará uma ação que contesta parte da LPI, abrindo caminho para uma modernização da legislação nacional de patentes.

O momento pede pressa. Frente ao atual ritmo da pandemia, o Brasil precisa como nunca da ajuda dos medicamentos genéricos para vencer a crise.

*Gustavo Svensson é secretário-geral do IBPI (Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual)

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