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BR do Mar e a redução do Adicional do Frete da Marinha Mercante

Por Michel Alkimin
Atualização:
Michel Alkimin. FOTO: DIVULGAÇÃO  

O AFRMM (Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante) foi instituído pelo Decreto-Lei nº 2.404/1987 e disciplinado pela Lei nº 10.893/2004, com a finalidade de atender demandas da União no desenvolvimento da marinha mercante e da indústria de construção e reparação naval nacionais, além disso, consiste na principal fonte de custeio do FMM (Fundo da Marinha Mercante).

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Trata-se de tributo que incide sobre a remuneração do transporte aquaviário, assim definido como o custo do transporte da carga de porto a porto, incluído o custo com o manuseio da carga, feito antes e depois desse transporte (art. 5º, §1º, Lei nº 10.893/2004). As alíquotas atualmente vigentes são: (i) 25%, sobre a navegação de longo curso; (ii) 10%, sobre a navegação de cabotagem; e (iii) 40%, na navegação fluvial e lacustre no transporte de granéis líquidos nas regiões Norte e Nordeste.

A tributação do AFRMM é cercada de polêmicas, ele nasceu com o intuito de ser uma receita especial destinada aos interesses da União para atender demandas da Marinha Mercante, notadamente no que toca ao incentivo à indústria de construção e reparação naval. No entanto, dados fornecidos pela ANTAQ(Agência Nacional de Transportes Aquaviários) demonstram que desde o início da década de 1990 a frotade navios de bandeira brasileira só diminuiu. Claramente o produto de sua arrecadação não está sendo usado para a finalidade que foi criado.

O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que o AFRMM tem natureza de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), a fim de revestir de legitimidade sua cobrança. No entanto, os requisitos constitucionais para caracterização dessa espécie tributária são sistematicamente desrespeitados, principalmente no que diz respeito a destinação do produto de sua arrecadação e por incidir sobre base de cálculo distinta do rol taxativo determinado pela Constituição (artigo 149, §2º, III, "a", CF/88). Os custos com capatazia jamais poderiam integrar a base de cálculo desse tributo, visto que é ilegal que custos que se dãosomente após a ocorrência do fato gerador do tributo (descarregamento da embarcação) possam integrar a base de cálculo.

Além disso, a própria existência desse tributo desafia as diretrizes dos acordos internacionais sobre tarifas e comércio, dos quais o Brasil é signatário: (i) GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), visto que ao taxar quase que exclusivamente a navegação de longo curso, viola a diretriz de inibição de tratamento diferenciado entre produtos importados e produtos nacionais, prevista no acordo; e(ii) AFC (Acordo de Facilitação do Comércio), tendo em vista que esse acordo exige que tributos dessa natureza - que incidem exclusivamente sobre operações de importação e não sobre mercadorias-devem trazer consigo uma justificativa para sua exigência.

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Recentemente, o tributo e o setor de transporte por cabotagem passaram a ser objeto do recente Projeto de Lei (PL) nº 4.199/2020, de iniciativa do Poder Executivo, em trâmite no Congresso Nacional, que cria o Programa de estímulo ao transporte por cabotagem, denominado "BR do Mar", em alusão ao nome das rodovias brasileiras.

O PL está tramitando em caráter de urgência no Congresso Nacional e propõe em seu artigo 21 alterações na Lei nº 10.893/2004 e modificação nas normas relativas ao AFRMM, de modo que: (i) 10% do produto da arrecadação seja destinado ao financiamento de obras de engenharia para melhoria das áreas portuárias e hidrovias; (ii) 100% do AFRMM gerado por empresa brasileira que opera embarcação afretada de registro estrangeiro seja destinado ao FMM, o que incentiva a cabotagem ainda que com uso de navio fabricado no exterior. A mudança mais significativa gira em torno da redução das alíquotas atualmente vigentes (10, 25 e 40%) para 8%, de maneira que incidiria o mesmo percentual na navegação de longo curso, de cabotagem e fluvial e lacustre.

Essa redução igualitária para as três hipóteses de incidência vem gerando divergência de opiniões entre os Congressistas - prova disso são as 32 propostas de emenda que o texto recebeu no Senado após sua aprovação na Câmara, até dia 22/03/2021. Dessas emendas, destacam-se quatro:

  • Emenda nº 3: suprime as alterações nos artigos 4º, 6º e 52-A à Lei 10.893/2004, proposta pelo artigo 21 do PL nº 4.199/2020, sobre a redução das alíquotas do AFRMM para 8%. Motivo: a redação dos artigos não consta no projeto original encaminhado pelo Poder Executivo;
  • Emenda nº 4: promove alteração nos artigos 6º e 52-A do PL nº 4.199/2020, propondo a manutenção da alíquota de 40% do AFRMM para a navegação fluvial e lacustre no transporte de granéis líquidos nas regiões Norte e Nordeste. Motivo: o transporte de granéis líquidos destinados à região Norte e Nordeste, segundo o parlamentar relator da emenda, não era tributado pelo adicional por força da Lei nº 9.432/1997. Além disso, o ressarcimento do AFRMM para as Empresas Brasileiras de Navegação que atuam nessas regiões, seria reduzido de 40% para 8%;
  • Emenda nº 12: sugere a supressão do artigo 21 do PL 4.199/2020. Motivo:haveria prejuízo no setor de transporte de granel líquido, em decorrência da pulverização dos recursos, encarecimento do frete, aumento do desemprego e acesso restrito dos recursos do AFRMM a poucas transportadores;
  • Emenda nº 13:sugere a manutenção da alíquota de 40% para a navegação fluvial e lacustre no transporte de granéis líquidos nas regiões Norte e Nordeste eacrescenta um inciso ao texto para incidência de uma quarta alíquota: 8% na navegação fluvial e lacustre de granéis sólidos e outras cargas na região Norte e Nordeste. Motivo:o produto da arrecadação do AFRMM é destinado às EBN's. As duas alíquotas mencionadas promoverão maior beneficiamento da frota de embarcaçõesde granéis líquidos e sólidos, para aquelas regiões. Cita também o aumento do valor do frete, retração de investimentos e aumento do desemprego.

O tema é de extrema relevância, eis que a redução do AFRMM proposta pelo PL nº 4.199/2020 é significativa, especialmente para os importadores, visto que atualmente são obrigados a recolher no desembaraço aduaneiro, o tributo no percentual de 25% sobre a navegação de longo curso. Assim, a redução para 8% representará grande economia, e redução de custos, promovendo melhoria da competitividade na economia nacional.

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Mesmo com a possibilidade de redução considerável dasatuais alíquotas do AFRMM, o fato de que a sua existência desrespeita os tratados internacionais sobre tributação e comércio internacional dos quais o Brasil é signatário, aliado à sua inconstitucionalidade, exige dos importadores a necessidade debuscar no Judiciário o reconhecimento do direito de invalidade e a restituição dos valores que eventualmente foram pagos indevidamente.

*Michel Alkimin, advogado especialista em direito tributário aduaneiro contencioso e consultivo da Lira Advogados

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