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Bom para os EUA, bom para o Brasil?

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Por Regis Arslanian
Atualização:
Regis Arslanian. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Ressoa até hoje a célebre frase do político Juraci Magalhães, embaixador brasileiro em Washington, durante a presidência de Castelo Branco, a primeira do período militar. "O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil", disse ele há meio século.

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Os fatos históricos por várias vezes demonstraram o quanto há de sofisma nessa proposição, mas, para não irmos muito longe basta ver os resultados recentes durante o governo do Presidente Donald Trump. A submissão do Brasil ao que é bom para os americanos foi altamente prejudicial ao nosso país.

Aos nos alinharmos a uma política externa extremamente ideologizada proposta por Trump, deixamos de ser parceiros relevantes de nossos vizinhos na América Latina. Passamos a tratar como inimigos países como Argentina, Bolívia e Venezuela, por exemplo. Queimamos pontes diplomáticas erguidas ao longo de décadas para um suposto combate aos esquerdistas. O resultado desses arroubos é quase um chiste, pois o lugar de influência continental que destruímos está sendo ocupado "pelas bordas" pela bandeira vermelha da China.

A recente eleição de Joe Biden acena para o mundo um amplo horizonte de mudanças positivas, prometendo uma nova centralidade com a retirada dos radicais do poder. Em nível econômico e diplomático, para o Brasil, em particular, há consequências de curto prazo que o governo Bolsonaro deverá administrar. Não para nos alinharmos novamente aos interesses dos EUA, mas para priorizarmos aquilo que realmente é bom para o Brasil.

Biden já disse que abandonará o isolamento trumpista e reerguerá uma política externa multilateral, de diálogo e parcerias. Quer retomar o caminho trilhado por Obama, que pretendia diluir a influência da expansão industrial da China por meio de uma ampla ação com os demais países do Pacífico. Mas ao mesmo tempo e coerentemente com seu discurso, o novo presidente acena com um sinal de distensão na relação com os chineses, dizendo que vai restabelecer fluxos econômicos entre os dois países, com foco nos produtos agrícolas. Ao fazer isso, Biden atenderá os produtores rurais americanos, que estão claro ansiosos por retomar um amplo mercado que foi ocupado, em parte, pelos exportadores brasileiros, sobretudo durante a pandemia. O presidente eleito dos EUA dá sinais de pragmatismo, de quem faz negócios sem se subordinar a ideologias.

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O multilateralismo de Biden vai envolver a volta do respeito dos Estados Unidos a organismos e acordos internacionais, como a ONU, a OMS, a OMC e o tratado climático de Paris, que Trump renegou e o Brasil tentou imitar. Particularmente, nas questões ambientais, as mudanças que Biden trará já exigem guinadas na retórica do Governo brasileiro e, também, demonstrações sérias de que o comando de ações para a preservação de nossos biomas estará nas mãos de gestores que desfrutem de credibilidade.

Porém, Biden não fará mudanças que agridam interesses de seu país, a não ser que estejam alicerçadas em bases altamente questionáveis. Nesse capítulo, entram as concessões que o Brasil fez a Trump no período pré-eleitoral, como o aumento e a prorrogação da cota de importação de etanol americano e a aceitação passiva das restrições às exportações brasileiras de aço e alumínio. O resultado hoje é uma balança comercial altamente favorável aos Estados Unidos, numa situação que já foi muito bem definida como a de concessões de país pobre para país rico.

Aliás, a renúncia às preferências comerciais de condição de país em desenvolvimento foi uma das exigências que Trump fez para apoiar a candidatura do Brasil a uma vaga na OCDE. Não temos razões para crer que Biden não honrará esse apoio, que acaba sendo benéfico aos Estados Unidos ao nos retirar proteção no comércio internacional. Mas é esperado que o futuro presidente reveja uma das mais estapafúrdias imposições que Trump fez à indústria brasileira, que é restringir com sobretaxas proibitivas as nossas exportações de aço e de alumínio para os Estados Unidos, ao justificá-las, como é no caso da Seção 232, em motivações de "segurança nacional".

O Presidente Bolsonaro sempre alegou possuir uma boa relação pessoal com Trump, o que não redundou em benefícios para o Brasil. Agora, com a relutância em aceitar a eleição de Biden como fato consumado, o que já foi feito até por aliados republicanos nos EUA, o presidente brasileiro   tem dois caminhos: ou trabalhar para que entre os dois países haja boas relações de Estado e de Governos ou isolar ainda mais o Brasil, consolidando o projeto que nos estabelece como espécie de pária internacional, mas agora, sem contarmos com a retaguarda de Washington.

Quanto ao bordão de Juraci Magalhães, é bom esquecê-lo numa gaveta da história. E evitar de correr o risco de sermos vítima de outro dito famoso, este de Auguste Comte, que no século 19 dizia que "os vivos são sempre, e cada vez mais, governados pelos mortos".

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*Regis Arslanian, embaixador e sócio do escritório Licks Attorneys

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