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Bolsonaro veta PLP 2110/19 que esclarecia o conceito de 'praça' na legislação do IPI

Por Fernanda Sá Freire Figlioulo , Virgínia Pillekamp e Mércia Braga
Atualização:
Fernanda Sá Freire Figlioulo, Virgínia Pillekamp e Mércia Braga. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A controvérsia do "VTM praça" que parecia enfim estar com seus dias contados, agora deve enfrentar uma nova batalha no Congresso Nacional, após o Presidente Bolsonaro, sob o pretexto de manter a "segurança jurídica", vetar o Projeto de Lei nº 2110/2019 (PLP), que visava exatamente proteger os contribuintes dos arbítrios da Receita Federal, que sem qualquer fundamento legal criou um novo conceito jurídico para o termo "praça".

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O PLP visa alterar a Lei nº 4.502/1964 (Lei do IPI) para esclarecer o conceito de praça, e com isso determinar que para aplicação do Valor Tributável Mínimo (VTM) deve ser utilizado como referência o preço corrente do "município" onde está situado o estabelecimento do remetente.

A importância do PLP se deve à tentativa de encerrar uma controvérsia jurídica que surgiu entre contribuintes e a Receita Federal quando esta, em meados da década passada, inovou ao passar a interpretar que o art. 15 da Lei do IPI ao dizer que o VTM não será inferior "ao preço corrente no mercado atacadista da praça do remetente", conjecturando "praça" não como cidade ou município - como sempre foi considerado pela própria Receita Federal, desde os idos de 1980 -, mas, sim, ao mercado do remetente, que não tem necessária identidade com configurações geográficas.

Assim, em 2012, a Receita Federal editou a Solução de Consulta Interna COSIT nº 08/2012 (SCI 18/12), na qual expõe seu entendimento no sentido que na hipótese de empresa distribuidora interdependente, "praça" é o local onde essa estiver situada, mesmo que seja uma cidade/município diverso do remetente. O cenário ficou pior quando, em 2019, a Câmara Superior do CARF, por voto de qualidade, não mais existente em nosso ordenamento jurídico, convalidou o entendimento da SCI 18/12, "definindo" que praça é algo além do município, mas sem dizer qual o espectro exato da acepção.

Diante dessa interpretação arbitrária, que causa tamanha insegurança jurídica, o Poder Legislativo assumiu a posição de intermediador para trazer luz aos intérpretes, por meio do PLP nº 2110/2019. Na justificativa, o autor do projeto, o Deputado Wiliam Woo, esclarece que a propositura decorre do fato que "o Fisco Federal vem distorcendo o conceito de praça de forma a expandi-lo de forma totalmente arbitrária e sem critério". No mesmo sentido, na Comissão de Assuntos Econômicos, o então Senador Rodrigo Pacheco, de forma muito sensata explicou que "o Fisco tem autuado o contribuinte, ao arrepio do que dispõe a lei" e por isso era necessário aprovar o PLP e acabar com a insegurança jurídica.

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No Plenário do Senado, o Relator, Senador Antonio Anastasia se posicionou afirmando que "o Fisco extrapolou os limites interpretativos para autuar contribuintes. O conceito de 'praça' deve inexoravelmente remeter ao conceito de local em que situada a indústria".

Porém, em que pese a tentativa do Poder Legislativo de reestabelecer a ordem, o Presidente, acolhendo as razões do Ministro da Economia, Paulo Guedes, vetou o PLP, sob o argumento que este irá gerar insegurança jurídica, pois adota conceito de "praça" distinto daquele acolhido pelo CARF.

Todavia, o Ministro desconsidera que a insegurança jurídica decorre exatamente da interpretação inovativa do conceito de "praça" que passou a ser adotado pela Receita Federal, em total dissonância com a conceituação adotada pelos mais consagrados autores e a própria jurisprudência judicial e administrativa. Aliás, como mencionado, a própria Administração Tributária, ainda na década de 1980, acatou o conceito jurídico de praça assente no direito privado, e se manifestou no sentido de que para fins de aplicação das regras de VTM, deveria adotar "praça" como cidade, e nesse sentido elaborou o PN CST nº 44/81, ainda em plena vigência.

O Ministro também afirma que a norma proposta esvaziaria a função antielisiva do VTM, desconsiderando que a própria Lei do IPI já prevê regra subsidiária para a hipótese de inexistir um "mercado atacadista" na "praça do remetente", a regra do "VTM Lucro Normal". É dizer, se acolhido que o conceito de praça não está vinculado à uma concepção geográfica, a regra do VTM Lucro Normal se torna inexequível no mundo dos fatos, pois a Receita Federal poderá expandir seu campo amostral infinitamente a fim de identificar o "mercado atacadista", o que não guarda qualquer lógica.

Por fim, o Ministro afirma que a proposição poderia ensejar novos litígios já julgados na esfera administrativa sob o argumento que a norma tem caráter interpretativa e, portanto, retroage aos fatos pretéritos. Mas veja quanta contradição nessa argumentação: foi vetado um projeto de lei sob o argumento que sua sanção causará insegurança jurídica, sendo que na proposição os legisladores buscam reafirmam quais situações pretenderam regulamentar na Lei do IPI, legisladores esses a quem compete constitucionalmente definir quais hipóteses materiais incide a tributação.

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Fica claro, portanto, que as razões de veto demonstram verdadeiro desconhecimento do contexto fático jurídico da norma e, infelizmente, mais uma vez, resta aos contribuintes torcerem para que o Congresso aja com bom senso para derrubar o referido veto e reestabelecer a ordem e a garantia da segurança jurídica.

*Fernanda Sá Freire Figlioulo, Virgínia Pillekamp e Mércia Braga são, respectivamente, sócias e advogada do Machado Meyer Advogados

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