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Bolsonaro versus Moro: um jogo de soma zero

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Por Alexandre Pereira da Rocha
Atualização:
Alexandre Pereira da Rocha. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, deixou o governo Bolsonaro de modo litigioso. Ele saiu atacando o próprio presidente da República de ingerências políticas. Por sua vez, Bolsonaro se defendeu alegando deslealdade do ex-ministro e o acusou de chantagem a fim de obter vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). Antes participantes do mesmo time, agora rivais. Assim, a dividida Bolsonaro e Moro tende a tumultuar o instável sistema político brasileiro.

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Essa contenda foi parar no STF e acendeu a luz vermelha de afastamento do presidente Bolsonaro. Note-se, há pressão para que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, entre na competição com a aceitação do pedido de impeachment de Bolsonaro. Contudo, Rodrigo Maia sabe que esse lance é arriscado e extremo. Com efeito, é adequado que o impeachment seja executado só quando há chances reais de êxito, caso contrário, pode ter efeito reverso e fortalecer o adversário atacado. Por conta disso, é provável que as acusações contra Bolsonaro, por ora, fiquem no campo do STF.

De todo modo, a disputa entre Bolsonaro e Moro já está esquentando o mercado político, sobretudo nos campos do Congresso Nacional, das mídias e redes sociais. É fato. Os opositores de Bolsonaro receberam de Moro, gratuitamente, uma bola recuada na pequena área. Não obstante, é pouco provável que esse lance de Moro tenha sido despropositado. Ora, assim como ele arriscou alto ao deixar a magistratura para assumir posto de titular no time de Bolsonaro, agora ele fez uma jogada mais ousada ao sair desse time. Destaque-se: Moro não simplesmente se afastou do governo, ele o abandonou se tornando numa oposição ao time de Bolsonaro.

As táticas de Moro são conhecidas. Por certo, Moro vai se centrar nos lances de embate à corrupção e de defesa do Estado de direito, os quais ele desenvolveu ainda na condição de membro do time da magistratura. É provável que ele continue executando seu principal drible: lawfare, ou seja, o uso do conhecimento jurídico-legal para transpor seus adversários. Todavia, como ele está legalmente fora da magistratura, não dispõe mais das estruturas desse time para fazer o seu jogo. Com efeito, Moro pode partir para o antijogo, com jogadas arrojadas, por exemplo, vazamentos oportunistas de informações e fatos que venham a prejudicar o adversário, o que realizou à época no subtime da Lava Jato.

Curioso. Moro, então cansado de levar bola nas costas, migra para o novíssimo time de Bolsonaro com status de grande contratação, mas se frustra com a dinâmica desse time. Resolve se recolher, porém dificilmente pendurar as chuteiras. Ao contrário. Agora, ele entra na competição política partidária e das eleições. Apesar da situação idiossincrática na qual Moro saiu do time de Bolsonaro, ele possui capital político angariado à frente da Lava Jato. Nesse sentido, ele pode estar em negociação com outros times e jogadores; mas, por certo, não mais na posição de coadjuvante e tampouco só com uma bola para jogar sozinho. Tudo indica que ele quer possuir o seu próprio time.

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Noutro grupo da competição, os times da esquerda, que estavam isolados desde a baixa da presidente Dilma Rousseff, começam a apostar algumas jogadas. Seus jogadores, embora alguns veteranos e de renome, estavam quase sem tocar na bola. Todavia, a bolada nas costas dada por Moro em Bolsonaro reascendeu os ânimos desses jogadores. No momento que seus adversários estão se recompondo, a turma da esquerda tem chances de executar seu melhor estilo de jogo: oposição e retranca. A jogada contra de Moro também o lesionou, contudo sobretudo desnorteou o time de Bolsonaro. É fato. Tudo isso deu motivo para validar o discurso do jogo sujo contra os quadros de esquerda, especialmente contra o ex-presidente Lula.

Numa posição avançada e sujeita a contra-ataques, está o time de Bolsonaro. Agora, com o próprio capitão partindo para a ofensiva. Ele assumiu o controle de suas táticas perigosas. Bolsonaro, enquanto jogador é errático, por isso, é possível que tenha resolvido mexer no seu time, agora sacando o diretor da Polícia Federal, exatamente para provocar alguma reação de Moro. Com efeito, ele teria a saída simultânea de dois jogadores estratégicos, mas já não tão alinhados ao bolsonarismo; além do mais, desviaria atenção da arquibancada para o problema da covid-19. Foi um chute de canela de Bolsonaro, porém assim ele almeja reorganizar seu time e reagrupar a torcida bolsonarista.

Com o debande de Moro, Bolsonaro teve uma baixa significativa. Todavia, no time de Bolsonaro só é titular quem sempre passar a bola para ele. O astro desse time é só Bolsonaro ou, no máximo, sua prole. Por ora, ele está recompondo a retaguarda de seu time e alinhando a posição dos jogadores leais. Embora recente no jogo da política nacional, o time de Bolsonaro é agressivo. É um time composto em sua maioria por jogadores inexperientes e de poucas habilidades, mas impetuosos. Eles estão se esforçando para não perder a torcida. Assim, encabeçados por Bolsonaro, a tática imediata é desqualificar o ex-jogador Moro. A torcida bolsonarista já está xingando a mãe de Moro.

A política pode ser comparada a muitos esportes. Hoje, a política brasileira é futebol. Há times e torcidas, paixão e tensão. Todavia, infelizmente se vive numa fase de jogos desleais e medíocres, de jogadores com pouco talento e muita ambição. A partida Bolsonaro versus Moro é a amostra típica dessa fase. É um jogo de soma zero. Para que haja um ganhador, um dos jogadores tem de perder tudo, não só a pontuação de uma partida, entretanto tudo que já se tenha conquistado. Esse tipo de jogo pode até seduzir a torcida, mas pouco agrega ao campo político, ademais, é um risco a mais para estremecida competição democrática brasileira.

*Alexandre Pereira da Rocha, cientista político. Doutor em Ciências Sociais/UnB

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