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Bolsonaro pode tornar-se inelegível?

Por Davi Tangerino
Atualização:
Dai Tangerino. Foto: Arquivo Pessoal

A Constituição diz o seguinte a respeito de crimes cometidos pelo Presidente da República: (i) se o crime não for relacionado à condição de Presidente (seja por que cometido antes da diplomação, seja por ser um crime não relacionado ao cargo, p. ex., lesão corporal culposa), ele está imune, ou seja, não pode ser criminalmente responsabilizado, apenas enquanto dure seu mandato; e (ii) se for relacionado à condição de Presidente, então a Câmara decidirá se admite a acusação, em quórum de 2/3, cabendo o julgamento propriamente dito ao STF (cf. artigo 86).

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Eventuais crimes cometidos pelo Presidente, antes da diplomação, só serão relevantes finda a segunda instância (ou outro Tribunal, em caso de foro privilegiado), nos termos da Lei da Ficha Limpa, quando dele se retira condição de elegibilidade. E com várias ressalvas: não gera inelegibilidade, por exemplo, a prática de crimes culposos, de menor potencial ofensivo ou cuja iniciativa seja privada.

Essa mesma lei, aliás, considera não elegíveis, também por decisão colegiada, os condenados por improbidade administrativa, desde que o ato seja doloso, que haja lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, observado o prazo de 8 anos após o cumprimento da pena. Improbidade administrativa é um ilícito que, embora atente contra a Administração, não configura um crime, importante enfatizar.

Passemos, pois, ao caso Bolsonaro.

Ele é réu em ação penal perante o STF, por crime que teria cometido como Parlamentar, a saber, apologia ao estupro e injúria. Em data próxima, poderá virar réu por racismo.

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O que isso impacta sua candidatura?

Sem decisão colegiada condenando o candidato, ele não está inelegível, segundo a Lei da Ficha Limpa. Se eleito, estaria imune até o final de seu mandato.

Só que o STF, ao julgar pedido de liminar na ADPF 402, decidiu de maneira unânime que "os substitutos eventuais do Presidente da República a que se refere o artigo 80 da Constituição, caso ostentem a posição de réus perante esta Corte suprema, ficarão impossibilitados de exercer o ofício de Presidente da República" (sessão de 7 de dezembro de 2016).

Qual a ideia central: se o Presidente respondesse por ação penal perante o STF, seria afastado do cargo; logo, sucessor réu perante o STF não pode assumir a Presidência.

A tese está, em meu sentir, errada.

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Eventuais crimes do sucessor caberiam na categoria de crime estranho à condição de Presidente e, assim, deveriam ser julgados após o final do mandato. Em querendo muito prestigiar o que o Min. Celso de Mello chamou de imperativo ético-jurídico, então dever-se-ia submeter a acusação à Câmara para o controle de admissibilidade da acusação, após o quê o Presidente sucedendo seria afastado de suas funções (isso quando e se houvesse efetiva sucessão presidencial).

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No caso específico de Bolsonaro, além do mais, há alguns pontos importantes.

Um; por enquanto ele responde por apologia ao crime e injúria, crimes que sequer teriam o condão de torná-lo inelegível à luz da Lei da Ficha Limpa. O primeiro, por ser de menor potencial ofensivo; o segundo, ademais, por ser de iniciativa privada.

Dois; o Pleno do STF já decidiu restringir o foro dos deputados e senadores aos crimes cometidos no exercício da função. Não está claro, ainda, se a mesma regra valerá para todos os detentores de foro privilegiado, a exemplo do Presidente; todavia, admitindo-se a tendência do STF, e supondo que Bolsonaro se torne réu por racismo, então ele poderia inclusive vir a ser julgado por magistrado de primeira instância; e não perante o STF.

O que isso muda? A liminar na ADPF 402 é clara que o impedimento à sucessão presidencial está em ser processado criminalmente perante o STF. Logo, não se aplicaria, ao menos de plano, a processos perante outros juízos no Brasil.

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Não se sabe, ainda, como o Pleno se posicionaria quanto ao Presidente, especificamente. Em princípio, esse assunto não foi enfrentando na ADPF, mesmo nos votos mais abrangentes, como o do Min. Toffoli.

Não se pode, porém, ignorar, que na ADPF 402 cuidava-se de sucessão, ou seja, não eram pessoas que teriam obtido 50% + 1 dos votos válidos em eleição majoritária; isso certamente há de impactar uma distinção ao quanto decidido na ADPF.

De qualquer forma, o imbróglio está desenhado e não é de simples solução: a leitura da Constituição e da Lei da Ficha Limpa são claras que Bolsonaro, se diplomado, estaria imune até o final do mandato. Todavia, a errada liminar na ADPF 402 é norma concreta vinculante e o caso Bolsonaro pode - em tese - se enquadrar na lógica aplicável à vedação de sucessão de Presidente, quando se é réu em ação penal (perante o STF).

*Davi Tangerino, professor de Direito Penal da Fundação Getúlio Vargas e da Uerj.

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