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Bolsonaro ignora os apelos dos cientistas brasileiros e confirma retirada de recursos da Ciência

Nos últimos dias, entidades, formadores de opinião e a mídia foram unânimes ao repercutirem e sentenciarem sobre os últimos cortes de verbas na ciência brasileira, mais um grande prejuízo para um setor estratégico e que está agonizando. O ocorrido bateu na comunidade científica e na sociedade como um duro golpe. Isto porque havia um compromisso da Câmara de Deputados em aprovar o Projeto de Lei 16 (PLN16) que permitiria que parcela do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) que estava contingenciada fosse alocada para o Ministério da Ciência e Tecnologia. Porém, no momento da votação, um ofício do ministro da Economia, Paulo Guedes, mudou o rumo do acordo e a aprovação do PLN 16 retirou R$ 600 milhões da Ciência que foram para outros ministérios.

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Por Soraya Smaili
Atualização:

Dos R$ 600 milhões desviados para outras finalidades, R$ 200 milhões seriam destinados ao CNPq, para suprir mais de 30 mil beneficiários entre bolsistas e pesquisadores na realização de suas pesquisas por meio do tradicional Edital Universal do CNPq. Desde 2018, a comunidade aguarda esse edital, que é um mecanismo fundamental para o andamento dos milhares de grupos de pesquisa em todo país, principalmente os mais jovens. Cerca de R$ 330 milhões seriam conduzidos aos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT), e outros sistemas como Pronem, Pronex, onde estão os grupos mais consolidados e produtivos da pesquisa nacional e que hoje estão à míngua.

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Mais além, a mudança no destino dos recursos também retirou R$ 40 milhões que iriam para as parcerias entre universidades e empresas; R$ 30 milhões que iriam para o apoio aos jovens doutores; R$ 24 milhões que seriam de programas de inovação e mais de R$ 100 milhões para a divulgação da Ciência e Ciência na Escola. Em resumo, projetos que dão base, sustentação e alimento ao que existe de mais produtivo, criativo e necessário em termos da ciência no nosso país. É o alimento dos grupos consolidados, da possibilidade de transferência de tecnologia para o setor privado, do avanço da tecnologia e, como se não bastante, é um pouco mais da esperança que é retirada de muitos jovens doutores, bem como das crianças e jovens que anseiam pelo acesso e democratização da ciência.

O novo corte vem somar às muitas perdas acumuladas nos últimos seis anos, atingindo, em 2020, valores menores do que os recebidos em 2009. A perda acumulada nos traz um atraso de duas décadas para o país. No mesmo CNPq que hoje perde os recursos do Edital Universal, os recursos que eram de R$ 263 milhões em valores atualizados passaram para R$ 24 milhões em 2020. Sem falar nos cortes sucessivos no MEC, que afetaram as universidades federais diretamente. Tudo isso em meio à pandemia da covid-19 e aos inúmeros projetos de pesquisa relacionados com os tratamentos, sistemas diagnósticos e vacinas.

O mais grave é que os recursos do FNDCT, são provenientes de impostos e contribuições obrigatórias de diversos setores da economia, que obrigatoriamente deveria ser destinado ao desenvolvimento da Ciência e Tecnologia, mas tem sido sistematicamente contingenciado para fazer caixa ao governo e agora será utilizado para outros fins. Em 2020, a comunidade científica se uniu e o parlamento aprovou a Lei 177, que liberaria a parte contingenciada do FNDCT em 2021. Mas, até agora isso não ocorreu.

Como mostramos recentemente em pesquisa realizada pelo SoU_Ciência, a maioria da população brasileira apoia a ciência, apoia o SUS e a expansão das universidades públicas (https://souciencia.unifesp.br/destaques/sociedade-fala) por entender que é o lugar onde os pesquisadores desenvolvem conhecimento que retorna para a sociedade na forma de educação, saúde e empregos. Reconhece o esforço feito por cientistas, estudantes e profissionais durante os 18 meses da trágica pandemia que assolou o nosso país. A resistência da Ciência e das Universidades ocorreu em meio a sofrimentos e perdas de inúmeros colegas.

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No dia 15 de outubro, Dia do Professor, Bolsonaro fez a sua escolha e sancionou a lei que tirou os recursos da Ciência. Mais uma demonstração de que seu governo não aprecisa e não aprova a ciência e que, se possível trabalhará para destruir o que ainda resiste. Resta-nos agora um novo projeto de lei ou uma emenda a algum projeto em tramitação, para que o orçamento da Ciência e Tecnologia seja recomposto. Se isso não ocorrer, continuaremos regredindo e perdendo um sistema que custou muito a ser construído e que poderá sucumbir junto com a perspectiva do desenvolvimento que a ciência é capaz de trazer.

*Soraya Smaili é professora de farmacologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), reitora da Unifesp entre 2023 e 2021 e coordenadora do Centro SoU_Ciência

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