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Bolsonaro é um problema de todo jeito

Por Zara Figueiredo Tripodi
Atualização:
Zara Figueiredo Tripodi. FOTO: DIVULGAÇÃO  

Aproximando-se do terceiro ano de mandato, não se conhece até hoje qual é o projeto educacional do atual governo federal para o campo educacional, mesmo havendo um Plano Nacional de Educação (2014-2024) que deveria expressar o marco do planejamento da área, mas que se optou por desconhecer.

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Seja por não possuir as condições intelectuais para tanto, seja pela crença própria de que não existe dívida simbólica com o passado, ou talvez para por em prática o projeto de ideologização e desmonte da educação pública, as metas e estratégias aprovadas pela Lei n? 13.005/2014 tornaram-se uma agenda perdida, no que tange ao papel da União como coordenadora da política.

Nos 4 meses do ano em curso, Jair Bolsonaro e seus ministros demonstraram total despreparo em relação às políticas públicas de modo geral, e as educacionais, particularmente, em um cenário bastante delicado pelo qual o país passa.

Em março, o presidente vetou integralmente o projeto que buscava assegurar internet grátis a alunos e professores da educação na rede básica, no momento em que a pandemia escancarou os efeitos perversos da desigualdade de condições de oferta educacional. Dados do IBGE (2021) mostram que 4,3 milhões de estudantes brasileiros não tinham acesso à internet, ao entrar na pandemia.

No mês seguinte, em abril, a Capes passou pela 5ª mudança na sua presidência, desde o início do governo Bolsonaro, em um contexto de avaliação quadrienal dos Programas de Pós-Graduação.

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Há uma semana atrás, com a aprovação da LOA, o Ministério da Educação foi objeto de bloqueio de 2,7 bilhões de reais no orçamento para 2021, no momento em que a pandemia vem reiterando a importância de se investir em educação e pesquisa.

Essa perda orçamentária, somada aos efeitos da EC n? 95/2016, sobretudo para as instituições federais de ensino, seria devastadora em qualquer outro momento, mas o será ainda mais na atual conjuntura.

Embora se possa multiplicar esses exemplos amplamente, os três casos dão a medida do quão Bolsonaro é um problema. E poderia sê-lo ainda mais, caso o STF não interviesse em muitos casos.

Todavia, mesmo reconhecendo que o Supremo tem atuado como o último bastião contra o autoritarismo e as "boiadas" que o Executivo tenta passar, parece importante evitar a ingenuidade do mecanicismo primário que vê normalidade no fato de oJudiciário ser instado amiúde e, no limite, assumir a condição de definidor da política pública.

Isso significa dizer que Bolsonaro é um problema quando define as policies, mas também o é quando cria um estado de coisas que necessariamente demanda a atuação do STF.

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Com isso, aprofunda-se um processo de judicialização de questões que deveriam ser objeto de debate, consenso e deliberação do Executivo, ouvidos os sujeitos interessados. Além disso, tende a provocar um tensionamento deliberado entre as instituições e suas prerrogativas, de modo a justificar suposta necessidade de tomada de decisões antidemocráticas.

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É nesse sentido que se afirma que Bolsonaro é um problema de todo jeito. Ele é um problema quando indica interventores para a direção de Institutos Federais, quando desconsidera a decisão da comunidade acadêmica na lista tríplice para reitores das Instituições Federais de Ensino Superior, ou ainda quando decide pela não realização do censo demográfico, de vital importância para a formulação de políticas públicas.

Mas Bolsonaro também é um problema quando leva instituições como o Judiciário a serem instadas constantemente para corrigir os danos causados por ele, especialmente no âmbito da democracia.

Ainda que as decisões do Supremo tenham vindo ao encontro dos anseios da maior parte da sociedade, não é exatamente lana caprina o precedente que se estabelece em torno das bases nas quais o equilíbrio institucional e jurídico da República passa a se assentar.

Considerando o episódio mais recente do censo demográfico ou os da educação especificamente, que o precederam, parece estar em curso a tentativa de desconstruir consensos pactuados, sobretudo, a partir da Carta de 1988, no que diz respeito a um Estado de democrático de direito.

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Por certo que a atuação do Supremo tem se dado dentro de um estatuto constitucional, mas uma pergunta para a qual se precisa buscar resposta é qual o preço a ser pago pela constante necessidade de se declarar direitos que o Executivo central insiste em não reconhecer. Ou ainda se esse (des)conhecimento não seria a dissimulação de projeto autoritário pessoal para o qual pretende ambiciosamente arrastar o Estado brasileiro?

*Zara Figueiredo Tripodi, doutora em Educação pela USP. Professora do Departamento de Educação e da Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Ouro Preto

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