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Bolsonaro e Lincoln

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Por Tarcísio Corrêa Monte
Atualização:
Tarcísio Corrêa Monte. FOTO: DIVULGAÇÃO  

Folheando os jornais essa semana, recordei de matéria que havia lido em abril deste ano: "Presidente Jair Bolsonaro coloca flores no Hall da Memória do Museu do Holocausto (Yad Vashem), em Jerusalém e afirma: 'Aquele que esquece o seu passado está condenado a não ter futuro".

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Lembrei então dos ensinamentos do professor de História, Doutor pela Universidade de Yale, James West Davidson, autor de New Narratives in American History e A Little History of the United States, sobre a Guerra Civil Americana.

Também chamada de Guerra de Secessão ou Guerra Civil dos Estados Unidos, esta foi um conflito bélico civil ocorrido entre 1861 e 1865 nos Estados Unidos, depois de vários estados escravagistas do sul proclamarem sua separação e constituírem os Estados Confederados da América, identificados como 'Confederação' ou 'Sul'.

Os Estados que não se insurgiram ficaram conhecidos como 'União' ou apenas 'Norte'.

A conflagração iniciou devido à polêmica situação da escravidão. Os demais países do mundo com poderio político e econômico não se envolveram no período.

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Depois de quatro anos de violentas batalhas, que causaram a morte de milhares de estadunidenses e acabaram com a maior parte das estruturas das atividades agroindustriais e de transporte do sul do país, a Confederação entrou em total derrocada, a escravidão foi extinta e um intenso processo de reorganização iniciou.

A integridade nacional foi recuperada e a proteção de direitos civis aos escravos libertos teve sua gênese.

Analisando este contexto histórico, Davidson ensina que, vitorioso no conflito, o presidente Lincoln então se manifestou em sua segunda posse como presidente, em março de 1865, proferindo talvez o mais brilhante pronunciamento já feito por um presidente americano.

A guerra já havia quase terminado, com o Norte se sagrando vencedor. Porém o presidente não declarou que a justiça estava do seu lado nem que Deus havia glorificado a sua conquista. A escravidão estava no núcleo da disputa, ele disse. Era de conhecimento comum. Porém, em suas palavras:

"Nenhuma das partes esperava que a guerra tivesse a magnitude ou a duração que alcançou (...) Cada parte previa uma vitória mais fácil e um resultado menos fundamental e desconcertante. Ambas as partes leem a mesma bíblia e rezam ao mesmo Deus, e cada uma delas evoca Seu auxílio contra a outra. Pode parecer estranho que alguns homens ousem pedir a ajuda de um Deus justo para arrancar seu pão do suor de outros homens; mas não julguemos para não ser julgados. Seria impossível atender às preces de ambas as partes, e nenhuma delas foi plenamente atendida. O Todo-Poderoso tem seus próprios desígnios".

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Quais eram esses desígnios Lincoln não disse nem poderia dizer. Ele se manteve sempre a favor da abolição da escravidão por acreditar que aquilo seria o certo, o mais íntegro e digno a ser feito, e mesmo quando vitorioso, ao final, ele buscou a união do país.

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Dias antes de sua morte, em 14 de abril de 1865, assassinado quando assistia a uma peça no Teatro Ford, um general da União perguntou ao presidente Lincoln como o Sul conquistado deveria ser tratado. "Eu os deixaria tranquilos, deixe-os tranquilos", respondeu. Lincoln tinha muito jeito com as pessoas. Estava sempre prestes a dialogar, tinha noção exata de quando devia ser firme e de quando seria melhor fazer concessões.

Voltando ao Brasil atual, dividido entre tantas tensões, percebe-se que a lição de Lincoln nunca esteve tão atual.

No domingo de 26 de maio passado, militantes pró-Bolsonaro removeram uma faixa em prol da Educação Pública que estava colocada à frente de um dos principais edifícios da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba. O prédio se localiza na praça Santos Andrade, localidade usual de protestos na capital do Paraná.

A fita, na qual se via 'Em defesa da educação #OrgulhoDeSerUFPR #UniversidadePública #EuDefendo', foi removida sob aclamação de militantes.

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Foram realizados, então, muitos atos em prol do presidente Jair Bolsonaro em várias cidades pelo País. Os mais intensos protestos ocorreram em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. Entre as postulações, o êxito no Congresso do conjunto de leis anticrime do ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro e a realização da reforma da Previdência foram as mais destacadas.

Já no dia 30 de maio recente, alunos e docentes de escolas públicas e privadas voltaram às ruas, estradas e praças em todas as regiões do país para praticar sua segunda manifestação contra os contingenciamentos de recursos para a educação realizados pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL).

No dia 15 deste mês, num primeiro momento, atos contrários a tal restrição orçamentária já haviam sido realizados em todas as capitais e no Distrito Federal, além de outras cerca de 145 cidades.

Verbas para todas as fases de ensino, da educação infantil à pós-graduação, foram diminuídas ou bloqueadas pelo poder público federal. A providência compreende recursos para transporte de alunos, cursos técnicos, edificação de escolas e bolsas para pesquisa e extensão.

O presidente chegou a qualificar quem foi às ruas no primeiro protesto de imbecis e 'idiotas úteis' manipulados como 'massa de manobra'. Todavia, 7 dias após as manifestações, repôs parte da verba contingenciada da área.

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Nesse contexto, nota-se que os ensinamentos da História estão aí para ser aprendidos. Toda espécie de decisão é melhor tomada, quando analisados os vários ângulos e pontos de vista. Mesmo que seja para ao final não as seguir, saber ouvir e refletir considerando todas as opiniões em jogo, proporciona sempre uma decisão melhor do governante, tanto de um ponto de vista epistemológico quanto democrático.

Eleição não é guerra. Uma vez terminada, o tecido social deve ser cicatrizado após a disputa, através de condutas que promovam a união do país.

Como já escreveu, pois, J.D. Salinger no clássico O Apanhador no Campo de Centeio: "A característica do homem imaturo é aspirar a morrer nobremente por uma causa, enquanto que a caraterística do homem maduro é viver humildemente por uma causa".

Que em nosso país possamos, então, viver em busca de união em prol das causas justas e certas.

*Tarcísio Corrêa Monte, juiz federal, mestre e doutorando pela Universidade de Sevilha (Espanha) na Área de Pesquisa Constituição, Estado e Democracia

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