Wálter Fanganiello Maierovitch*
27 de maio de 2021 | 15h40
Wálter Fanganiello Maierovitch. FOTO: DENISE ANDRADE/ESTADÃO
A pergunta que não quer calar é a seguinte: o presidente Bolsonaro e os governadores dos Estados-federados estão obrigados a atender convocação e comparecer à CPI da Covid, como testemunhas?
Como se sabe, a testemunha é a que relata sobre um fato que presenciou, assistiu.
Todos podem ser testemunhas desde que tenham presenciado um acontecimento e tenham capacidade para reproduzi-lo.
O grande processualista italiano Giuseppe Chiovenda, nas suas Instituições de Direito Processual Civil, define a testemunha como sendo a pessoa chamada a expor as suas próprias observações sobre fatos ocorridos e de interesse à causa.
No curso da história, a prova testemunhal sempre causou controvérsias, e isto sobre o seu valor como meio de prova. Chegou a receber o designativo de “a prostituta das provas”.
Mas, aqui, a questão é outra, ou seja, da obrigatoriedade do comparecimento, com prestação, antes da oitiva, de compromisso de não mentir, sob risco de tipificação do crime de falso testemunho.
Por partes. Numa investigação criminal, a polícia judiciária ouve a testemunha sobre o fato em apuração. Busca-se a verdade real. A mesma busca acontece numa investigação parlamentar, numa Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).
A lei brasileira estabelece prerrogativas a altas autoridades. Atenção, trata-se de prerrogativa de cargo e não privilégio pessoal.
Na lei está escrito que o presidente da República poderá optar pela prestação de depoimento por escrito, e as perguntas serão transmitidas por ofício. Para quem tiver curiosidade, está no parágrafo primeiro do artigo 221 da lei processual penal, de aplicação subsidiária numa CPI.
O mesmo dispositivo legal deve ser aplicado aos governadores estaduais convocados a testemunhar em uma CPI no Senado. Os governadores estão expressamente contemplados na supracitada lei processual, instrumental.
Outro ponto e a valer ao presidente da República aos governadores: outra prerrogativa. No caso de o presidente Bolsonaro e de os governadores tiverem interesse em testemunhar na CPI – e isto para ajudar na apuração parlamentar -, poderão marcar local (seu Estado, por exemplo), dia e hora. Tudo previamente ajustado.
Recentemente e no inquérito 4.831, o ministro Celso de Mello entendeu que deveria o presente Bolsonaro comparecer para ser ouvido pessoalmente. O caso, no entanto, não era de testemunho, mas de um Bolsonaro suspeito de autoria de crime.
O ministro Celso de Mello, então relator, entendeu, com o seu vasto saber jurídico e experiência judicante, que não era caso de depoimento por escrito de Bolsonaro, pois a previsão legal contemplava apenas a testemunha.
Como se sabe, o ministro Celso de Mello aposentou-se do STF. E a Corte entendeu, por maioria, em aplicar a prerrogativa de Bolsonaro responder por escrito às perguntas.
Resumindo. Bolsonaro poderá ser convocado pela CPI e fazer uso da prerrogativa a fim de, querendo, responder por escrito às perguntas, ou seja, exercitará a prerrogativa de não comparecer.
O mesmo caminho poderão trilhar os governadores estaduais. Tanto poderão comparecer ou escolher lugar, dia e hora para os relatos testemunhais. Terão a opção, também, de responderem a ofícios com perguntas expressas.
Um ponto fundamental deve ser destacado. A CPI tem usado nas convocações o rótulo a indicar prestação de testemunho. Pelo que se nota, todos são considerados testemunhas na CPI da Covid.
Para Bolsonaro, o rótulo é “fake news”. Na verdade, está em apuração, na CPI, a sua responsabilidade pelo desastre do governo no trato da pandemia pela Covid 19. Portanto, ele não é mera testemunha, mas suspeito.
Na condição de suspeito pelo desastre humanitário e crimes decorrentes das políticas sanitárias do seu governo, Bolsonaro poderá silenciar, não respondendo ao ofício, isto se preferir responder a perguntas, isto é, na hipótese de optar por não comparecer à CPI.
Num pano rápido, Bolsonaro não estará obrigado a produzir prova contra si próprio, ou seja, se autoincriminar: “nemo tenetur se detegere”.
*Wálter Fanganiello Maierovitch, 74, presidente do Instituto Giovanni Falcone de Ciências Criminais, desembargador aposentado, professor, escritor e comentarista do quadro Justiça e Cidadania da rádio CBN-Globo
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