Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Bancos x fintechs: quem tem razão?

PUBLICIDADE

Por Juan Ferrés
Atualização:
Juan Ferrés. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A tecnologia vem mudando o mercado financeiro no Brasil e no mundo de forma exponencial. Vimos a chegada das fintechs e uma enorme onda de inovação, com novas maneiras de fazer negócio, mais baratas, mais inclusivas e menos burocráticas. Os grandes bancos, que detinham praticamente todo o mercado, tiveram que correr atrás sob o risco de ficarem obsoletos e, eventualmente, desaparecerem.

PUBLICIDADE

Agora, estamos às vésperas do Open Banking, que promete trazer uma nova onda de revolução tecnológica para o setor, dando mais poder ao dono dos dados e estimulando ainda mais a concorrência. Isso reacende também uma discussão entre bancos e fintechs, especialmente em relação às chamadas assimetrias regulatórias.

Por um lado, os grandes bancos se queixam que a régua do regulador para as SCDs (Sociedades de Crédito Direto) e para as IPs (Instituições de Pagamento) é mais baixa. Por outro, as fintechs dizem que, sem ela, os grandes bancos fecham o mercado em um oligopólio. Trata-se de um caso curioso em que ambos os lados estão, simultaneamente, certos e errados.

O Banco Central criou essas duas figuras como forma de facilitar a entrada de novos players no mercado financeiro e, assim, aumentar a concorrência, com todos os benefícios que isso traz para o consumidor e para o setor em geral. Por isso, elas têm uma regulamentação específica, diferente da dos bancos.

As Instituições de Pagamento podem prestar serviços de movimentação de recursos, mas não podem conceder empréstimos. Já as Sociedades de Crédito Direto, como o nome indica, têm foco em empréstimos e financiamentos. No entanto, diferentemente dos bancos, devem utilizar apenas capital próprio nessas operações.

Publicidade

Nos dois casos, o regulador considera que os riscos associados às IPs e às SCDs são menores do que os dos bancos, que podem usar recursos de terceiros nas operações de crédito e, assim, criar moeda, aumentando o risco sistêmico. Por isso, não exige das IPs e das SCDs uma série de medidas de proteção que os bancos têm que cumprir, o que faz com que emprestar dinheiro seja mais barato para as SCDs do que para os bancos.

As fintechs rebatem dizendo que não é bem assim, dado que, como elas precisam usar recursos próprios para conceder crédito, isso tem um custo de capital que os bancos não têm.

Aqui está o nó da questão. Embora a assimetria regulatória seja um fato, ela não significa falta de isonomia. O Banco Central está tratando figuras diferentes de forma distinta, de forma a fomentar o mercado sem, teoricamente, aumentar o risco sistêmico.

Ao examinar a questão mais de perto, porém, vemos que ela é mais complexa. Se é verdade que, sem esse incentivo, existia uma forte barreira de entrada no mercado, os bancos também não deixam de ter razão quando afirmam que essas fintechs estão, sim, transferindo riscos para o mercado.

A maior parte das IPs pode conceder limite de crédito sem lastro. Não pode fazer um empréstimo ou um financiamento, mas pode fornecer um cartão de crédito com prazo de pagamento de 30 dias, o que, na prática, é a mesma coisa, porque o dono do cartão vai antecipar um gasto.

Publicidade

Imagine que alguém comprou alguma coisa com esse cartão de crédito concedido pela IP. Se ela quebrar, o lojista pode não receber o valor da venda. Se não receber, pode deixar de pagar o empréstimo que ele tem no banco. No limite, cria o mesmo problema de inadimplência na economia como um todo que os bancos. Nesse sentido, a IP pós-paga tem características de emissor de moeda, como os bancos, e, portanto, um risco maior.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Esse risco não era tão relevante quando elas eram, de fato, pequenas empresas, mas hoje temos fintechs com 40 milhões de clientes. De acordo com as normas do Banco Central, a IP pós-paga precisa controlar o risco apenas das transações feitas fora da própria base. No entanto, dentro da própria base, ela pode emprestar o dinheiro de um para outro. Com uma base de 40 milhões de clientes, isso passa a representar um risco, que os bancos afirmam (com razão) que está sendo repassado para eles.

Assim, vemos que o problema não é a assimetria regulatória, mas o fato de que existem vasos comunicantes entre os bancos e as IPs e SCDs. O Banco Central precisa olhar para isso e penalizar as instituições que estiverem socializando o risco. A assimetria regulatória foi criada para criar incentivos à entrada e estimular a concorrência. Agora que essas empresas ganharam musculatura, pode ser hora de subir as barreiras e reduzir esses incentivos.

*Juan Ferrés é mestre em Economia pela USP e fundador da Teros

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.