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Aumento da arrecadação tributária em tempos de crise: uma crítica necessária

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Por Ana Campos
Atualização:
Ana Campos. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O sistema tributário brasileiro caminha, a passos largos, para um ano de recordes históricos na arrecadação. Apenas no âmbito federal, dados da RFB apontam que, nos primeiros 7 meses do ano, o volume de impostos arrecadados pela União somou R$ 1,053 trilhão (maior cifra para o período histórico analisado pela Receita Federal que se iniciou em 2005.

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Segundo pronunciamento do Ministro da Economia, Paulo Guedes, e da própria RFB, divulgados pela Agência Brasil, o ritmo acelerado da arrecadação é um dos reflexos da retomada econômica do país e do crescimento de indicadores no setor industrial, na venda de bens e no setor de serviços.

Todavia, o fato é que essa é apenas uma parte da equação. O patamar da inflação no país - que, segundo dados de setembro, está na casa de 8,45% e já passa pela sua 25º alta consecutiva - se espelha diretamente no impulsionamento da arrecadação tributária, a partir de uma lógica fiscal e econômica básica: com o aumento dos preços, aumentam-se também as bases de cálculo dos tributos que, consequentemente, contribuem para uma maior arrecadação.

Não por acaso, a arrecadação de impostos estaduais como o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) também cresceram, puxadas, dentre outros pontos, pela alta na inflação. De janeiro a maio deste ano, os estados arrecadaram cerca de R$ 250 bilhões com o ICMS - 16% a mais que no ano passado e alta real de 11% - e, portanto, acima da inflação, conforme os dados do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).

Outro fator que impulsionou a alta na arrecadação estadual foi o aumento da gasolina. Comparativamente, enquanto nos últimos doze meses, a inflação geral atingiu a casa de 9,46%, os combustíveis tiveram alta real de 41,33% (a gasolina, sozinha, subiu 39,09% no período).

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Tal cenário, por sua vez, enseja uma discussão crítica importante: até que ponto é aceitável que tenhamos um aumento recorde na arrecadação de tributos dentro de um contexto econômico em que a inflação desafia o equilíbrio financeiro de contribuintes de todo o país?

Há de se lembrar que estamos, ainda, no meio do combate a maior pandemia da história recente da humanidade e que, no Brasil, o desemprego faz parte da realidade de 14,4 milhões de brasileiros; que a retomada econômica - ao contrário de análises oficiais mais otimistas - caminha em um ritmo mais lento do que poderia; e no qual milhares de empresas ainda encontram dificuldades para fechar o caixa.

Possíveis caminhos

Precisamos, no entanto, fugir de uma discussão genérica que tanto habita a esfera política brasileira. Há medidas que poderiam ser consideradas, em situações emergenciais, para aliviar o peso dos tributos em situações de crise.

Por que não limitar a alta ou mesmo reduzir impostos como ICMS em cenários no qual a inflação atinge um alto patamar? Tal medida, por exemplo, poderia ser aplicada via decreto estadual, em operações internas, ou Resolução do Senado em operações interestaduais.

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No âmbito de impostos federais, como PIS/COFINS ou IPI, poder-se-ia propor uma MP no mesmo sentido - a qual, dificilmente, seria barrada no Congresso, vide o apoio que a medida tenderia a encontrar na sociedade.

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São passos que poderiam contribuir para um maior protagonismo da classe política quando a realidade tributária brasileira, ao invés do atual cenário em que a responsabilidade pela alta de impostos é sempre "do outro".

Conclusão

É importante deixar claro que não se trata de simplificar o debate ou as complexidades do processo de aprovação de medidas no âmbito tributário e na esfera política do país. Entretanto, conforme citado acima, além de um possível apoio da sociedade e de entidades representativas do país, situações de crise exigem uma atuação do poder público que ofereça respostas e suporte à população que enfrenta os desafios do desemprego, da alta nos preços e de uma crise sanitária.

É preciso, em suma, ir além do discurso e não dourar a pílula de uma realidade preocupante, que afeta cidadãos e empresas e na qual, recordes de arrecadação são "conquistas" politicamente e moralmente questionáveis.

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*Ana Campos é especialista em Aquisições e Reestruturações e sócia-fundadora da empresa Grounds

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