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Aumenta o cerco a agressores e INSS deve arcar com auxílio-doença de vítima de violência doméstica

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Por Martina Catini Trombeta
Atualização:
Martina Catini Trombeta - advogada, pós-graduada em Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra e especialista em Direito Previdenciário. Foto: Divulgação / Assessoria de Imprensa

O cerco contra agressor de violência doméstica está se fechando. Em mais um capítulo na luta contra os agressores, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) deverá arcar com o pagamento de auxílio-doença quando mulher tiver de se afastar do trabalho para se proteger de violência doméstica. Ou seja, terá de bancar a subsistência da vítima que tiver que se afastar do trabalho por incapacidades para se proteger e sem correr o risco de perder o emprego.

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Na prática, os afastamentos dessas vítimas sempre foram justificados por depressão ou outros transtornos psíquicos nos casos de agressão psicológica. Já nos casos de agressão física atribui-se ao efetivo dano físico às consequências que impedem essas pessoas de trabalhar. Não era feito o nexo causal. Mas, com essa decisão da Sexta Turma do STJ, uma sementinha foi plantada no Judiciário.

Na decisão, a novidade é a atribuição à Vara especializada em violência doméstica e familiar, ou na falta desta, ao juízo criminal, a competência para julgar o pedido de manutenção do vínculo trabalhista, em razão de afastamento do trabalho da vítima, conforme previsto no artigo 9º, parágrafo 2º, inciso II, da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006).

Apesar da previsão do afastamento sempre ter existido na Lei Maria da Penha, não há clareza quanto à competência para determinar a medida.

O buraco legislativo não para por aí: além da incerteza quanto a quem cabe determinar o afastamento, não há descrição de quem arcará com os salário: se é o INSS, ou o empregador. Com a decisão do STJ, ficou claro que será o INSS e abre-se um importante precedente.

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Nas razões decisórias, além de atribuir ao INSS a obrigação de arcar com os afastamentos superiores a 15 dias, os fundamentos dos votos dos ministros permitem abertura para que as vítimas que contribuem para o INSS como facultativas ou contribuintes individuais também requeiram o benefício.

Mas a abertura não para por aí, conforme, o voto do ministro Rogerio Schietti Cruz: "tais situações ofendem a integridade física ou psicológica da vítima e são equiparáveis à enfermidade da segurada, o que justifica o direito ao auxílio-doença, até mesmo porque a Constituição prevê que a assistência social será prestada a quem dela precisar, independentemente de contribuição."

O termo "independentemente de contribuição", constante do voto, dá margem para pedidos de afastamentos, inclusive quando não há qualidade de segurado, ou seja, quando a vítima não está contribuindo ao INSS regularmente.

A conta para a União pode ser alta quando os pedidos começarem a chover nas agências do INSS e, por lógica, replicarem na Justiça quando a negativa do benefício vier!

Nota-se a importância e inovação desta decisão, pois na Lei Maria da Penha o legislador não previu o período de afastamento dentre as hipóteses de benefícios previdenciários listados no artigo 18 da Lei 8.213/1991, o que deixa as vítimas desamparadas.

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Com clareza, o voto do relator ressalta que 'a vítima de violência doméstica não pode arcar com danos resultantes da imposição de medida protetiva em seu favor'.

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Na ausência de garantia legislativa para as vítimas de violência doméstica, os ministros do STJ inovaram e aplicaram a proteção para justificar a adoção de auxílio-doença. Inovadora, a decisão, no entanto, gera uma dúvida no meio jurídico: quem será a Justiça competente para julgar as negativas do INSS quando o afastamento neste caso for negado?

Nos casos de relação de emprego, fixou-se que será competência da Justiça comum. Mas como fica no caso dos contribuintes individuais, facultativos ou quando ausentes contribuições? Será preciso saber se a decisão pode virar jurisprudência e, quem sabe, ter efeito vinculante.

Além das consequências processuais, tem-se a materialização da agressão nos casos de violência doméstica como razão para a percepção do benefício, estabelecendo o requisito documental produzido por vara especializada, que transpareçam os motivos!

Assim, em vez do atestado de saúde, a vítima deverá apresentar o documento de homologação ou a determinação judicial de afastamento em decorrência de violência doméstica.

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A decisão pode ter ainda mais efeitos futuros. Observa-se que, com os motivos do afastamento imputados à violência, permitem ao INSS base jurídica para interpor, inclusive, ação regressiva contra o agressor, que causou os prejuízos aos cofres públicos.

Os desafios são muitos e o Judiciário, em conjunto com as instâncias formais de controle, precisam evoluir na otimização dos princípios e das regras nessa hermenêutica introduzida com a Lei 11.340/2006 e suas consequências sociais. Mas o que já se sabe: as vítimas devem sempre ser protegidas pelo Estado e os agressores punidos.

*Martina Catini Trombeta - advogada, pós-graduada em Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra e especialista em Direito Previdenciário

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