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Audiências de Custódia além dos mitos

Por Rafson Ximenes
Atualização:
Rafson Ximenes. FOTO: DIVULGAÇÃO  

O ramo jurídico que mais desperta reações emocionadas é o direito penal. Todos se interessam por histórias sobre crimes, investigações e tiroteios. Mas, essa paixão tem cegado a razão. As discussões sobre o tema são feitas com base em mitos que formam o senso comum.

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Os resultados são catastróficos.

O quadro pode mudar se prestarmos atenção em pesquisas sérias, como a recém-divulgada pela Defensoria Pública da Bahia sobre Audiência de Custódia, com análise de 17.793 casos em Salvador entre 2015 e 2018.

A audiência de custódia, implantada no Brasil em 2015, como consequência de Tratados Internacionais, consiste na obrigação de apresentação de cada pessoa presa em flagrante.

Ela não serve para definir quem é culpado ou inocente. Normalmente, acontece antes de o processo começar.

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Sua primeira função é decidir se a prisão é legal e se a pessoa custodiada, que ainda não foi acusada, nem se defendeu ou foi julgada, já deve ficar encarcerada.

A segunda é dificultar a ocorrência de maus tratos ou tortura.

Rapidamente, iniciou-se o discurso de que com essas audiências supostos autores de crimes chocantes estariam em liberdade.

As pessoas seriam soltas em um dia e presas novamente no outro. A narrativa ganha força quando se escolhem e repetem incansavelmente exemplos escolhidos a dedo, reais ou não, criando uma impressão de confirmação que não resiste aos dados.

A pesquisa revela que, dentre as pessoas liberadas nas audiências de custódia, a taxa de retorno durante o ano inteiro variou de míseros 1,5% (2016) a 4% (2018).

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Mostra ainda que as pessoas submetidas às audiências em geral não usavam qualquer arma (74%). Aliás, indiciados por homicídios são pouco mais de 2% e por crimes sexuais são 0,5%.

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O público de fato são pessoas pobres (99% vive com até 2 salários mínimos), acusadas de crimes contra o patrimônio (44%) ou venda de drogas (37%). A quantidade de substâncias apreendidas, muitas vezes seria considerada como de uso pessoal na Espanha.

O estudo comprova que o racismo estrutural não é mito. Das pessoas submetidas a audiências de custódia em Salvador, 99% foram negras. A taxa de manutenção da prisão é bem maior quando o custodiado é negro (40%) que branco (27%).

Os relatos de lesões no momento da prisão também são distintos. 24% dos negros informaram ter sofrido agressões, contra 16% dos não negros. A mal resolvida história de escravidão continua influenciando o inconsciente dos agentes estatais.

A cor da pele pode ser decisiva para prender ou libertar.

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A pesquisa da Defensoria baiana, disponível integralmente no seu site, junta-se a outras, como a realizada pela Defensoria carioca ou a última publicada pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) para trazer um panorama mais real das audiências de custódia.

Através dos números, temos um retrato bastante fiel daqueles que sofrem as consequências de políticas e julgamentos feitos com base em lendas.

Uma sociedade com menos crimes é desejo de todos, mas agir com base em leituras distorcidas da realidade só vai aumentar a violência.

*Rafson Ximenes, defensor público geral da Bahia

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