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Atraindo a Netflix pelas razões certas: o Fust e a conectividade significativa

Por Nathalia Foditsch e Sonia Jorge
Atualização:
Nathalia Foditsch e Sonia Jorge. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Nos últimos meses o "Dilema das Redes", documentário da Netflix sobre redes sociais se popularizou. Graças a ele, aspectos menos positivos do uso da internet passaram a ser debatidos, mas ninguém pode negar a enorme importância do acesso e uso da internet nas nossas vidas. A banda larga salvou muitas pessoas no decorrer da pandemia, e muitos países voltaram a discuti-la como um serviço público essencial. Para conectar a população brasileira até 2030, no entanto, serão necessários cerca de R$ 60 bilhões para que todos tenham acesso diário à banda larga com velocidades adequadas (pelo menos 4G) e quantidades de dados suficientes - o que a Aliança para a Internet Acessível (A4AI)* chama de "conectividade significativa". Tal dado consta de um estudo global de nossa autoria publicado há poucas semanas pelo braço das Nações Unidas responsável pelas telecomunicações, a União Internacional de Telecomunicações (UIT), e revela que não será possível atingir a universalidade sem esforços específicos e coordenados. Em poucos dias, no entanto, podemos estar um pouco mais perto desta realidade.

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O famigerado Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) é formado pela contribuição de 1% sobre a receita bruta das operadoras de serviços de telecomunicações. Desde o ano 2000 foram arrecadados R$ 36,7 bilhões em valor corrente arrecadados, de acordo com dados da ANATEL, mas este valor simplesmente não é usado. Mais da metade dos recursos necessários para que a população tenha conectividade significativa, portanto, já foram arrecadados pelo poder público, mas simplesmente não cumprem seu propósito. O Projeto de Lei nº. 172/2020 (PL 172/2020), que se encontra no plenário do Senado, poderá mudar este cenário em breve, uma vez que prevê a utilização do FUST para benefício de zonas rurais ou zonas urbanas com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O projeto prevê, ademais, que os recursos devem ser usados para conectar as escolas públicas à banda larga, em especial as situadas fora da zona urbana.

A alteração no estado de dormência do FUST é esperada há vários anos. A aprovação do PL 172/2020, no entanto, não encerrará as discussões em torno dele, uma vez que há questões importantes sobre as quais gestores públicos e reguladores deverão se debruçar. Uma dessas questões é a criação de um Conselho Gestor formado por diferentes setores, prevista no PL. Sem o referido conselho não poderão ser formuladas políticas e/ou diretrizes, ou serem definidos os projetos que serão financiados com os recursos do FUST. Em Carta ao Senado, variadas organizações descrevem esse e outros aspectos relacionados à aprovação do PL 172/2020, tal como a necessidade de que deficiências estruturais nas redes de transporte e de acesso sejam priorizadas.

Muito embora a cobertura da banda larga tenha aumentado muito na última década no Brasil, avanços tecnológicos e/ou com esforços unicamente privados não são suficientes para sanar as lacunas de acesso ainda existentes. Por meio do trabalho que realizamos em países na América Latina, Caribe, África e Ásia pela A4AI, notamos a relação direta entre melhorias políticas e regulatórias dos fundos de universalização e as melhorias do acesso e da conectividade. Esperamos, portanto, que a aprovação do PL 172/2020 ajude o Brasil a tomar este importante passo de destravar os recursos do FUST, antes que esta história se torne mais um impactante documentário da Netflix.

A A4AI é uma iniciativa da World Wide Web Foundation, fundada por Tim Berners-Lee, inventor da Web.

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Referências:

*Nathalia Foditsch, mestre em Políticas Públicas, mestre em Direito e Governo e especialista sênior em Política e Regulação da Alliance for Affordable Internet (A4AI) da World Wide Web Foundation. Foi co-organizadora e co-escritora do Livro "Banda Larga no Brasil: Passado, Presente e Futuro", finalista do Prêmio Jabuti em 2017

*Sonia Jorge, diretora executiva da Alliance for Affordable Internet (A4AI)  e líder do programa de inclusão digital da World Wide Web Foundation. Mestre em Políticas Públicas e assessora para várias organizações e governos, incluindo as Nações Unidas, a Comissão de Banda Larga para o Desenvolvimento Sustentável, Fórum Econômico Mundial, Comissão Europeia, G20, e governos na América Latina, África e Ásia

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