O julgamento de processos envolvendo o procurador da República Deltan Dallagnol sinaliza, mais uma vez, o flagrante desafio a que se sujeitam os agentes públicos que ousam defender a lei, combatendo atos de desonestidade em face da administração pública.
O mainstream continua forte o suficiente para lançar mão de qualquer subterfúgio, extrapolando toda e qualquer noção de ética e de moral, desde que os seus representantes continuem praticando atos de lesão ao erário e se mantenham imunes, como já se demonstrou exaustivamente, na história do Brasil.
É como um filme de mocinhos e vilões, com a diferença que, nos filmes, o bem sempre sai vitorioso e o mal é devidamente punido.
É de fato lastimável que representantes políticos eleitos por parcelas da sociedade sejam os protagonistas de ações voltadas a derrotar a luta de agentes públicos que desejam mudar o status quo e, se não eliminar, pelo menos diminuir ou minimizar os atos ilícitos praticados no âmbito da administração pública e que exigem a garantia da aplicabilidade da lei para a sua punição.
Os processos que pretendem afastar Deltan Dallagnol da Operação Lava Jato, assim como outros dois que o envolvem e que serão julgados pelo CNMP, representam mais um ataque à Lava Jato e fazem parte de um plano estratégico de seu desaparecimento total, sob todos os flancos possíveis, desde que aquela operação seja extirpada definitivamente com o fim de garantir a impunidade ad aeternum de agentes políticos corruptos e inescrupulosos.
O fato de maior gravidade é a constatação de que, além de agentes políticos construírem armadilhas para afastarem agentes públicos honestos, utilizam, de quebra, a própria estrutura organizacional de instituições públicas para o alcance de seus objetivos espúrios.
O ataque é multifacetado e minuciosamente planejado sob as mais diversas roupagens, sendo paulatinamente praticado com a anuência descarada de membros de órgãos públicos em conjunto com agentes públicos e privados de significativo poder econômico e político.
Trata-se realmente de uma prática criminosa crônica e cada vez mais fortalecida, com objetivos previamente definidos, cuja organização equivale à formação de milícias que conseguem provocar até a inveja dos chefes de grandes facções criminosas.
A diferença escandalosa está no óbvio: os membros e chefes das grandes facções criminosas de fato afrontam a lei, assumem os seus atos ilícitos e, se capturados, são efetivamente julgados, condenados e presos.
Contudo, o cometimento de atos ilícitos por agentes públicos (incluindo agentes políticos) contam com a assessoria de grandes escritórios de advocacia (o que é natural) e, na grande maioria, saem vitoriosos e impunes, a despeito da evidência e comprovação de corrupção, por razões que "a própria razão desconhece", para não dizer o que todos sabem, mas que ninguém ousa assumir e enfrentar.
*Vera Chemim, advogada constitucionalista com mestrado em Administração Pública pela FGV-SP