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Associação dos procuradores se insurge contra defesa de Aras ao inquérito das fake news

Em posição diametralmente oposta à de Raquel Dodge, procurador-geral se manifestou pela legalidade do inquérito das fake news perante ao Supremo Tribunal Federal

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Por Luiz Vassallo
Atualização:

O procurador-geral da República Augusto Aras. Foto: Dida Sampaio / Estadão

A Associação Nacional dos Procuradores da República se insurgiu, nesta sexta, 25, contra a manifestação do procurador-geral Augusto Aras, que defendeu, perante ao Supremo Tribunal Federal, a legalidade do inquérito das fake news. A posição do novo chefe do Ministério Público Federal é diametralmente oposta à de sua antecessora, Raquel Dodge, que já pediu o arquivamento e a declaração de inconstitucionalidade da investigação, aberta e conduzida por ministros da Corte, para mirar ofensas aos seus integrantes.

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"Assim, ao se dar sequência à malfadada investigação, passa-se a impressão de que existe salvaguarda fora dos limites legais e que não há segurança jurídica no ordenamento nacional. Ledo engano. Nas palavras de um dos grandes homens públicos de nossa história, Rui Barbosa: "Com a lei, pela lei e dentro da lei; porque, fora da lei, não há salvação"", diz a nota, assinada pela diretoria da entidade.

A entidade afirma ver 'com surpresa as manifestações apresentadas pelo procurador-geral da República, no dia de ontem, em sentido oposto ao arquivamento da investigação, contrariando, inclusive, manifestações anteriores apresentadas pela ex-procuradora-geral'.

"Qualquer decisão decorrente do inquérito em pauta coloca em xeque a isenção e a imparcialidade do Poder Judiciário e produzirá, inquestionavelmente, provas nulas, que não poderão ser aproveitadas em qualquer processo", ressaltam os procuradores.

Os procuradores reforçam: "Desde sua gênese, a investigação citada afronta princípios elementares e muito caros ao Estado Democrático de Direito. Há inequívoca usurpação de atribuição do Ministério Público ao violar o sistema acusatório, conquista civilizatória que exige a separação das funções de defender, acusar e julgar; confronta a própria competência da mais alta Corte, vez que não há investigado, até agora, sujeito à prerrogativa de foro no STF; ignora o princípio do juiz natural, vez que não houve sorteio para a escolha do ministro relator e, por fim, o objeto da investigação é múltiplo, indeterminado e incrementado a cada medida cautelar expedida de ofício".

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PGR muda de lado

O chefe do Ministério Público Federal se posicionou no âmbito de ação da Rede Sustentabilidade ao Supremo Tribunal Federal em que o partido pedia que fosse declarada inconstitucional a portaria de instauração do inquérito. O partido compara o inquérito ao Ato Institucional nº 5, de 1968, o mais pesado golpe do regime militar (período de exceção) às garantias Constitucionais, que, entre outras medidas, instaurou a censura, proibiu manifestações políticas e fechou o Congresso.

A ex-procuradora-geral, Raquel Dodge, já havia se manifestado pela procedência da ação, além de ter pedido o arquivamento do inquérito. Para Aras, 'ao instaurar o Inquérito 4.781, com a finalidade de apurar fatos e infrações penais que atinjam "a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares", o Presidente da Corte não extrapolou os limites do poder de polícia conferido pelos aludidos dispositivos regimentais'.

À época em que foi procuradora-geral, Raquel argumentou 'não haver 'dúvidas, portanto, de que o ordenamento jurídico vigente não prevê a hipótese de o mesmo juiz - que entende que um fato é criminoso - determinar a instauração da investigação e, literalmente, escolher o responsável por essa investigação, tal prática representa grave violação ao princípio do juiz natural'.

LEIA A NOTA DA ANPR:

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Brasília, 25/10/2019 -- A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), diante da permanência no trâmite do inquérito nº 4.781 no âmbito do Supremo Tribunal Federal e dos pareceres apresentados, no dia de ontem, pelo procurador-geral da República, contra o seu arquivamento, vem a público se manifestar:

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O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, determinou, em março deste ano, a instauração do Inquérito nº 4.781. A investigação iniciou sob a alegação de existência de notícias fraudulentas (fake news), ameaças, ofensas e infrações que atingiriam a honorabilidade e a segurança do STF, bem como dos membros da Corte e seus familiares. Desde a origem, ele tramita em sigilo absoluto sob a condução do ministro Alexandre de Moraes e sem o acompanhamento por parte do Ministério Público Federal.

Apesar da alegação de que o inquérito está amparado pelo Regimento Interno do STF, o artigo utilizado para justificá-lo trata apenas do poder de polícia a ser exercido em infrações ocorridas nas dependências daquela Corte. O dispositivo não se harmoniza com quaisquer dos fatos notórios, divulgados pela imprensa e apurados até o momento. Mesmo assim, houve a expedição de mandados de busca e apreensão, o impedimento para utilização de redes sociais, o afastamento de auditores fiscais de suas funções e o sobrestamento de procedimentos fiscais, entre outras medidas. É importante lembrar, ainda, que a primeira decisão adotada no curso das investigações resultou em grave censura a órgãos de imprensa, revertida posteriormente.

Desde sua gênese, a investigação citada afronta princípios elementares e muito caros ao Estado Democrático de Direito. Há inequívoca usurpação de atribuição do Ministério Público ao violar o sistema acusatório, conquista civilizatória que exige a separação das funções de defender, acusar e julgar; confronta a própria competência da mais alta Corte, vez que não há investigado, até agora, sujeito à prerrogativa de foro no STF; ignora o princípio do juiz natural, vez que não houve sorteio para a escolha do ministro relator e, por fim, o objeto da investigação é múltiplo, indeterminado e incrementado a cada medida cautelar expedida de ofício.

Qualquer decisão decorrente do inquérito em pauta coloca em xeque a isenção e a imparcialidade do Poder Judiciário e produzirá, inquestionavelmente, provas nulas, que não poderão ser aproveitadas em qualquer processo.

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Por violar diversos princípios e normas legais, a ANPR impetrou no STF, ainda em abril deste ano, habeas corpus e mandado de segurança coletivo. Passados 6 meses, as ilegalidades continuam.

Para resguardar a normalidade dos atos jurídicos, resta imperioso o imediato encerramento do inquérito nº 4.781 e, também, que, havendo fatos ilícitos a serem apurados, não importando a identidade de autores ou vítimas, sejam respeitadas as competências legais definidoras das instituições e autoridades responsáveis por conduzir as devidas investigações.

Nesse sentido, a ANPR vê com surpresa as manifestações apresentadas pelo procurador-geral da República, no dia de ontem, em sentido oposto ao arquivamento da investigação, contrariando, inclusive, manifestações anteriores apresentadas pela ex-procuradora-geral.

O PGR apresentou novos pareceres defendendo a legalidade do inquérito conduzido pelo STF, mas, ao mesmo tempo, reconhece a ausência de participação do Ministério Público na condução das investigações e a inexistência de objeto certo e definido para justificar a instauração do apuratório, ilegalidades estas que não podem ser saneadas, já que houve a colheita ilegal e inconstitucional de provas e a imposição de restrições a direito de cidadãos sem a observância do devido processo legal.

Esta Associação defende e reitera a sua legitimidade para impetrar tanto o Habeas Corpus, quanto o Mandado de Segurança, sobretudo em razão da decretação de busca e apreensão, além de medida cautelar pessoal, por parte do Ministro condutor do Inquérito, em face de associado, membro do Ministério Público Federal.

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Assim, ao se dar sequência à malfadada investigação, passa-se a impressão de que existe salvaguarda fora dos limites legais e que não há segurança jurídica no ordenamento nacional. Ledo engano.

Nas palavras de um dos grandes homens públicos de nossa história, Rui Barbosa: "Com a lei, pela lei e dentro da lei; porque, fora da lei, não há salvação"

Diretoria da Associação Nacional dos Procuradores da República

 

 

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