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Assédio sexual e corrupção: por que o mesmo peso e duas medidas?

Ambos geram prejuízos bilionários, mas são tratados de maneiras distintas

Por Raquel Bianchini e Julia Carvalho
Atualização:

Raquel Bianchini e Julia Carvalho. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Empresas que se veem imersas em escândalos públicos de assédio sexual no ambiente de trabalho frequentemente adotam uma postura em comum: a demissão sumária dos acusados. Apesar de essa atitude transmitir o recado de que comportamentos como esse não seriam mais tolerados, isoladamente, ela contém também uma mensagem não intencional: a de que aquele evento  foi único e de total responsabilidade do acusado.

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Neste raciocínio, ao se desvencilhar do indivíduo, as organizações se distanciariam do problema. Ao transformarem essa responsabilidade em algo exclusivo e isolado, a empresa se eximiria dela ao livrar-se do indivíduo. O assédio sexual, no entanto, é um problema sistêmico. Demitir o envolvido sem o devido processo investigativo não altera as condições que permitiram o assédio ocorrer; apenas afasta o risco momentaneamente, sem mitigá-lo de fato.

Talvez a resistência em enfrentar o assédio como algo estrutural venha do fato de que o risco comumente associado a ele seja apenas o reputacional. No entanto, o Global Fraud and Risk Report de 2019/20, um estudo anual produzido pela empresa global de investigações corporativas Kroll, demonstrou que incidentes de assédio sexual trazem também um risco comercial.

De acordo com o relatório, 40% dos executivos responsáveis pelo gerenciamento de risco decidiram encerrar o relacionamento com empresas parceiras que encontraram problemas ligados a assédio sexual. Isto é, a percepção de risco foi aumentada pela possibilidade de se absorver os problemas de reputação alheios. Este percentual se compara aos índices de encerramento de contratos por indícios de propina e corrupção. Ou seja, o risco da existência de práticas de assédio sexual nas empresas é tão grave quanto o risco da ocorrência de práticas de corrupção.

Se há convergência em como o mercado percebe esses riscos, é hora de eles serem tratados da mesma maneira. Responder e mitigar estes incidentes com assertividade depende de processos transparentes e aplicáveis a todos.

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Empresas que trataram a ocorrência de casos de corrupção como algo sistêmico atingiram um novo patamar de maturidade nesta frente. Um estudo publicado pela Transparência Internacional em 2018 identificou que empresas que já passaram por investigações apresentam maior índice de transparência no combate à corrupção. Três lições podem ser transportadas para o combate efetivo ao assédio: conduzir investigações independentes; instaurar procedimentos e controles que coíbam este comportamento; e realizar seções de treinamentos internos.

Um tratamento isento e independente das denúncias de assédio pelas organizações reforça a percepção de que as empresas não buscam somente uma rápida retaliação, mas sim estimular um ambiente de confiança. A investigação criteriosa diminui o risco de que injustiças sejam cometidas. Priorizar a apuração de fatos em detrimento de opiniões não somente oferece uma resposta àqueles diretamente envolvidos, mas também a todos os colaboradores que se veem na posição de espectadores silenciosos.

Assim como no tratamento à fraude, a resposta ao assédio também se beneficia da incorporação de programas de compliance robustos. Permitir um fluxo confidencial de reporte de denúncias e, principalmente, promover regras claras para todos evita a percepção de favoritismos.

Treinamentos periódicos devem ser oferecidos a todos os colaboradores, considerando-se a especificidade de cada função. Pessoas em posição de gerência ou diretoria, por exemplo, devem receber orientações sobre como proceder ao receber denúncias ou presenciar casos envolvendo seus subordinados.

Essas medidas geram um ambiente no qual os colaboradores veem a companhia dedicando suas energias produtivas para gerar valor, e não para varrer desvios de conduta para debaixo do tapete.. A resposta e a prevenção ao assédio sexual são esforços contínuos que demandam o suporte de processos estruturados, com regras claras para todos e que sejam incorporadas no dia-a-dia das organizações.

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*Raquel Bianchini e Julia Carvalho são diretoras da área de inteligência de negócios e investigações da Kroll

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