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As vozes de todas as realidades

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Por Fábia Alvim
Atualização:
Fábia Alvim. Foto: Divulgação

Sento-me, cotidianamente, com meu filho de oito anos, diante de um excelente computador, em um apartamento espaçoso e arejado na Zona Sul de São Paulo. Com duas graduações no currículo e um mestrado, todos em universidades públicas e em áreas diversas, não sinto dificuldade em resolver, com ele, questões de matemática, de português, de ciências. Mas sei exatamente que isso não se chama mérito. Isso se chama oportunidade - o nome dessa facilidade toda é privilégio. 

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O rascunho de ensino à distância, que tem sido feito por profissionais da educação exaustos, sobrecarregados e pegos de surpresa, expõe as comprovações diárias das injustiças que vivemos. A volta às aulas nas atuais circunstâncias será, muito provavelmente, o início de uma onda de contaminação de crianças - o que levará à contaminação de cuidadores e parentes. Crianças tanto não conseguem como não devem ser cobradas de conseguirem se cuidar de forma disciplinada como os adultos. Sim, será, provavelmente, devastador.

Por outro lado, assim como é egoísta eu, da minha classe média confortável, tomar decisões acerca da interrupção da gravidez de uma mulher que espera o décimo filho e não tem como alimentar os nove primeiros, também o é que eu determine, com base em qualquer informação de que disponha (até porque informação também é acesso, também é oportunidade e também é privilégio), a real necessidade de as escolas funcionarem, ainda que em formatos especiais. 

A questão principal, aqui, não é a ausência de escola para o meu filho, cuja mãe está trabalhando de home-office até o último dia de 2020 - no mínimo (embora, para ele, a falta de convivência com outras crianças gere perdas significativas). A questão principal é a ausência de escola para a mãe que trabalha oito horas diárias fora de casa e gasta mais quatro no transporte público. E que, depois, volta para casa e precisa cuidar de seu filho de oito anos e dos demais, todos sem escola presencial. 

Talvez nunca aprendamos que é preciso não ouvir só as vozes que ecoam de dentro da nossa própria realidade. Porque, se levantamos bandeiras que consideram apenas a nossa situação, criamos mais uma injustiça rodeada de silenciamento. É fato que estamos em uma situação delicada. Mas qualquer batida de martelo, agora, me parece excludente.

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*Fábia Alvim, é mãe do José, que estuda no segundo ano de uma escola estadual na Zona Sul de São Paulo. Produz material didático de Língua Portuguesa para a Logopoiese e é editora na Saíra Editorial.

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