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Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

As tecnologias da comunicação e a face humana da Justiça

Por Márcio Nogueira
Atualização:
Márcio Nogueira. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O uso das tecnologias da comunicação e informação no Sistema de Justiça é consequência natural da evolução em curso desde o surgimento da internet e que floresceu durante a pandemia de covid-19, atingindo todos os setores econômicos e todas as camadas sociais. Tal movimento, que ampliou acesso ao Poder Judiciário, não pode, no entanto, servir de justificativa para que os tribunais fechem as portas à população.

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Uma Justiça efetiva deve empregar todos os instrumentos tecnológicos à disposição - sobretudo aqueles que permitam a racionalização das rotinas e procedimentos administrativos e gerem economia de tempo e recursos públicos, com reflexos positivos nos prazos de duração de processos. Semelhantes benefícios, todavia, não desobrigam o cumprimento de princípios constitucionais que têm o propósito de garantir uma prestação jurisdicional adequada aos cidadãos.

Quando o novo coronavírus avançava, ceifando a vida de milhões em todo mundo, os tribunais brasileiros adotaram o regime de teletrabalho - quadro que fez com que muitos juízes recém-chegados à magistratura tomassem posse por videoconferência. Devido ao uso irrestrito e indiscriminado das operações remotas, uma situação que afronta o inciso VII do artigo 93 da Constituição Federal passou a ser comum, que é o magistrado residindo fora da respectiva comarca -e até mesmo em outras Unidades da Federação.

O uso das tecnologias da comunicação e informação não dispensam o magistrado de morar na comarca em que exerce a função: ele precisa estar a postos para as ocasiões em que os interesses do jurisdicionado assim o exigir. Ao advogado cabe avaliar, como representante de pessoas físicas e jurídicas envolvidas em conflito, a oportunidade dos encontros presenciais.

É a própria Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar nº 35, de 14 de julho de 1979), que o determina. Vejamos o inciso IV do art. 35, que estabelece os "deveres dos magistrados": "tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça, e atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quanto se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência".

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Não foi por outro motivo que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF), em mais de uma ocasião, ratificaram a prerrogativa que garante aos advogados "dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição", em conformidade com inciso VIII do art. 7º da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia.

O CNJ, no Pedido de Providências nº 1.465, de 4 de junho de 2007 - cujo entendimento foi reafirmado em 20 de fevereiro de 2018 -, decidiu que "o magistrado é sempre obrigado a receber advogados em seu gabinete de trabalho, a qualquer momento durante o expediente forense, independentemente da urgência do assunto, e independentemente de estar em meio à elaboração de qualquer despacho, decisão ou sentença, ou mesmo em meio a uma reunião de trabalho". O ministro do STF Gilmar Mendes reafirmou esse posicionamento ao negar, em agosto de 2020 - quando as unidades judiciárias já funcionavam em teletrabalho -, seguimento à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.330.

É fato que as audiências online garantiram a continuidade da tramitação das ações judiciais enquanto durou o isolamento social. É verdade também que a inovação foi aprovada inclusive por escritórios de advocacia. Cumpre, agora, que os magistrados se adaptem à regulamentação existente e retornem imediatamente aos fóruns. É fundamental que o juiz viva a comunidade que julga e se integre à trama social que suas decisões ajudam a tecer.

Sem o contato presencial, é o próprio direito de defesa que se vê agredido. Sem a possibilidade de, em nome do cliente, o advogado reunir-se frente a frente com o juiz, o devido processo legal acaba comprometido. Não convém à Justiça, ainda que se valha do desenvolvimento técnico, abdicar de sua face humana e empática, a qual só se revela in loco, no calor das interações palpáveis. Afinal, muitas controvérsias não podem se dirimir senão em situações de partilha de tempo e espaço.

*Márcio Nogueira, advogado e presidente da OAB de Rondônia (OAB-RO)

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