A sanção pelo presidente Michel Temer da tão esperada Lei de Proteção de Dados, veio acompanhada da frustração pelo veto à criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que seria o órgão responsável pela supervisão e fiscalização da lei.
A retirada do apoio ao PLC nº 53/2018 (que deu origem à nova Lei 13.709 de 2018 - Lei de Proteção de Dados) pela Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação (Assespro Nacional) e pela Associação Brasileira de Empresas de Software (ABES), à véspera da sanção presidencial, demonstra que, apesar de tantos anos de debates, ainda há temor e resistência nos segmentos da cadeia produtiva.
As duas entidades solicitaram a exclusão dos elementos que se caracterizam como um tripé da Lei - autoridade, fiscalização e penalidade, a primeira propondo vetos em três itens específicos: capítulos VIII ("da Fiscalização"); IX ("Da Autoridade Nacional e do Conselho Nacional") e na Seção III e Capítulo VI ("Da Responsabilidade e do Ressarcimento de Danos", artigos 42 a 45 do projeto).
A regulamentação do tratamento de dados pessoais é, sem dúvida, muito importante para todo e qualquer país que decida fazer valer os direitos fundamentais de seus cidadãos, não somente no ambiente digital, mas também na realidade física , uma vez que o que realmente importa é a proteção do ser humano, de seus direitos fundamentais (privacidade, intimidade, imagem, honra).
Não é novo o direito do cidadão, do consumidor ou do colaborador a ter seus dados, documentos, imagens e informações pessoais preservadas e guardadas com zelo e respeito por aqueles que tenham esse acesso de forma autorizada. Está na Constituição Federal desde 1988 (art. 5º, inciso X).
Voltando ao contexto da sanção presidencial e das resistências remanescentes do empresariado, nota-se que ainda não se compreendeu que mesmo sem essa previsão, o direito de privacidade já é um direito consagrado e que poderá ser judicializado, independentemente de autoridade administrativa e, principalmente, sem uma autoridade administrativa.
A judicialização de direitos fundamentais não é novidade no Judiciário, e qual seria a razão de precisarmos sempre de mais uma nova lei, assim como se estabeleceu o Marco Civil da Internet? Para muitos, o País está finalmente atendendo a uma tendência mundial de regulação do ambiente digital. Pode ser que sim, de certa forma, já que o detalhamento acaba ajudando na segurança jurídica de como se deve lidar com diferentes tipos de dados.
Mas, há um pano de fundo comum nisso tudo - a política de responsabilização por danos adotada pelo Poder Judiciário brasileiro é ineficiente para a coibição de ilícitos. No Brasil, a responsabilização por danos não cumpre sua função social, pelo contrário é um fator de estímulo. O Judiciário brasileiro é um agente contraditório quando se fala no cumprimento da eficácia das leis.
A política indenizatória é invertida, uma vez que a maior preocupação do nosso Judiciário é evitar que a vítima se enriqueça às custas do infrator. O objetivo de desestimular a continuação da prática infratora fica entre os muros da academia, dos púlpitos de seminários, nas teorias de direito civil. O fator de desestímulo e a natureza educativa de uma indenização somente são alcançados mediante condenações significativas, assim como ocorre nos países desenvolvidos.
Os seres humanos são aculturados diferentemente em razão das peculiaridades de cada nação, e diferente também é a aplicação ou a correção da não aplicação de uma lei pelo Poder Judiciário. E isso é determinante à eficácia de uma lei, e na formação de uma sociedade.
No mundo globalizado, as leis de diferentes países acabam sendo semelhantes, mas ainda não são semelhantes as condenações indenizatórias. Aqui, as condenações indenizatórias pífias acabam diluindo a eficiência das normas e, com isso, não moralizando a contento a sociedade brasileira.
*Ivana Có Galdino Crivelli, advogada, sócia de Có Crivelli Advogados, ex-presidente da Associação Paulista de Propriedade Intelectual e Diretora da Associação Brasileira de Direito Autoral