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As mazelas da corrupção e os direitos humanos

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Por Leonardo Bellini de Castro
Atualização:
Leonardo Bellini de Castro. FOTO: INAC/DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Os movimentos anticorrupção no Brasil, chancelados pela grande maioria dos brasileiros, foram de forma recorrente acusados de detratores dos direitos humanos. Tudo, obviamente, em uma perspectiva única e exclusiva de retórica jurídica de um garantismo sofista, de todo afastada da realidade.

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O fato é que a suposta dicotomia entre o combate à corrupção e a defesa dos direitos humanos nunca existiu, na medida em que um Estado adequadamente equipado para o cumprimento de seus objetivos necessita que seus recursos sejam revertidos para a coletividade na forma de políticas públicas e não para uma minoria que se apropria de forma parasitária de suas estruturas.

Com efeito, as promessas político-jurídicas de igualdade, liberdade e fraternidade, que constituem as premissas da legitimidade estatal, implicam na necessidade de sujeição impessoal e nivelada de todos ao ordenamento jurídico. Para Locke, por exemplo, nas primitivas organizações estatais os homens somente renunciaram à igualdade e liberdade que possuíam no estado de natureza com o escopo de garantir que o poder a partir daí instituído se exercesse com vistas à implementação do bem comum.

Disso resulta que para que o Estado se desincumba de suas tarefas de promoção de direitos fundamentais, imprescindível que arrecade fundos para o seu custeio e os aplique de forma eficiente e racional. Estados capturados de corrupção endêmica trazem consigo, no entanto, as sementes que os impede de realizar seus fins de promoção de direitos fundamentais que justificam sua própria existência.

A disseminação da corrupção, portanto, traz como resultado a incapacidade estatal de realização de seus fins primários, os quais se desarticulam e se reorientam a vista de beneficiar alguns poucos que se apropriam do núcleo do poder em detrimento do todo social.

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Bem por isso, uma administração pública proba e eficiente se apresenta como condição primária para a realização de direitos fundamentais, derivando o direito fundamental a uma boa administração pública como um direito pressuposto, já que, sem esse, os demais direitos fundamentais não se podem realizar em sua plenitude.

Nessa linha é que o direito fundamental a uma boa administração pública foi incorporado na carta de direitos fundamentais da União Europeia, estabelecendo-se ali que todos têm direito a um tratamento impessoal, eficiente e equitativo por parte do Estado (art.41). No Brasil, ainda que não expressamente previsto, deriva implicitamente da dignidade da pessoa humana enquanto fundamento da República (art.1º, III, da CF), bem como dos próprios princípios regentes da atividade estatal (art.37 da CF), em especial dos princípios da impessoalidade, moralidade e eficiência.

O direito fundamental à boa administração pública também tem como consectário a criação e manutenção de uma ambiência institucional segura para investimentos produtivos com considerável redução dos entraves burocráticos, tendo entre suas práticas político-governamentais princípios de boa governança, transparência, além do controle e acompanhamento popular.

O combate à corrupção, portanto, respeitados os lindes constitucionais, longe de representar qualquer vulneração aos direitos humanos, em verdade os promove, em especial no que toca aos direitos econômicos sociais e culturais, que reclamam prestações positivas.

Infelizmente, as recorrentes iniciativas políticas e judiciais recentes tem minado a estrutura normativa e institucional de enfrentamento da corrupção, o que mina paulatinamente a legitimidade do próprio poder estatal, atingindo em cheio os direitos humanos.

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*Leonardo Bellini de Castro, promotor de Justiça - MPSP. Mestre em Direito - USP - RP

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção

Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Acesse aqui todos os artigos, que têm publicação periódica

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