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As ilegais limitações para a compensação dos precatórios

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Por Ricardo Botós da Silva Neves
Atualização:
Ricardo Botós da Silva Neves. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A Emenda Constitucional 99/2017 impôs aos estados, municípios e o Distrito Federal a obrigação de efetuar os pagamentos até o dia 31 de dezembro de 2024 dos precatórios que estavam em mora em 25 de março de 2015, e mais aqueles que vençam até o final do termo concedido (2024). Portanto, o prazo máximo concedido pelo legislador para pagamento das dívidas das fazendas públicas decorrentes de condenações judiciais vencidas e vincendas terminará em aproximadamente quatro anos.

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Com isso, alguns estados e municípios viram na permissão da compensação dos precatórios com dívidas tributárias ou de outras naturezas uma forma de cumprir a determinação constitucional e, para isso editaram no prazo do Art. 105, § 2º da ADCT os respectivos regulamentos de como as compensações deveriam ser realizadas.

Com isso, o procedimento para a compensação exige o atendimento de várias etapas. Ademais, em alguns casos os regulamentos impõem exigências e limitações não previstas na lei regulamentada (ADCT), com o evidente propósito de esvaziar a determinação da Constituição que é a de obrigar que as dívidas das fazendas públicas representadas pelos precatórios vencidos sejam definitivamente saldadas.

Por isso, os contribuintes que tem a intenção de utilizar os precatórios para pagamentos de débitos precisam se atentar para todas as etapas do processo, desde a due diligence, onde se verifica a formalidade, regularidade do crédito e requisitos para a cessão, bem como a forma pela qual a compensação deve ser realizada, pois um simples equívoco, como por exemplo o esquecimento da obtenção da anuência do advogado que patrocinou a ação pode resultar na não homologação da compensação.

Ademais, considerando que as fazendas públicas têm colocado dificuldades para autorizar a compensação o conhecimento do procedimento e da legislação são questões fundamentais para se conseguir ultrapassar as exigências, pois não raras as vezes se constata nos regulamentos disposições que nitidamente impõem barreiras para a utilização dos precatórios e que são formalmente ilegais.

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O estado de São Paulo, quando regulamentou por Resolução da Procuradoria Geral do Estado o procedimento fez incluir várias limitações ao direto consagrado na Constituição às compensações, sendo que podem ser citadas como exemplos: (i) os precatórios somente podem ser usados para o pagamento de dívidas inscritas até 25 de março de 2015; (ii) o impedimento a compensação de dívidas que já tenham sido anteriormente objeto de parcelamento.

Outra situação foi o município de São Paulo, que além de fazer incluir as mesmas ilegais limitações constantes da Resolução Paulista, incluiu no Art. 29 do Decreto 58.767/2019 uma limitação temporal ao exercício do direto a compensação, pois determinou que os requerimentos deveriam ser apresentados no prazo entre os dias 1º de junho a 31 de julho de 2019 (exíguos sessenta dias) e, com isso, fez incluir uma limitação de tempo para utilização da compensação.

Contudo, as condições e limitações aqui comentadas, entre outras tantas, não encontram respaldo ou previsão na Emenda Constitucional.

Com isso, depreende-se que as regulamentações trouxeram flagrantes inovações ao direito do contribuinte de realizar a compensação, o que é legalmente vedado, pois cabe aos estados e municípios tão somente a função de criar a forma, o mecanismo pela qual os créditos (precatórios) podem ser compensados com os débitos. Assim é vedado inovar na regulamentação, especialmente quando a inovação cria limitações e dificuldades onde a lei não limitou. O regulamento tem por objetivo fazer com a lei seja executada fielmente, sendo esta a razão pela qual é vedado ao regulamento inovar na ordem jurídica, seja criando outros direitos ou obrigações.

Desta forma, ao serem editados atos normativos (infralegal) que tenham como objetivo esclarecer e viabilizar o exato cumprimento dos direitos que estão garantidos em lei é defeso que se ultrapasse os limites da legalidade, pois a regulamentação tem que se limitar ao estabelecimento de normas sobre a forma como a lei vai ser cumprida pela Administração Pública e não pelo cidadão, haja vista que está hierarquicamente subordinado a uma lei prévia e que tem de prevalecer.

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Ademais, além de ser um acréscimo ilegal a vedação a utilização dos precatórios para o pagamento de débitos já tenham sido objeto de parcelamento, representa, também, nítida afronta ao princípio da isonomia e total injustiça com os contribuintes que fizeram parcelamentos e não podem se beneficiar da compensação, enquanto aqueles que estão inadimplentes e nada fizeram para tentar pagar podem obter o benefício da compensação.

Portanto, muitos credores das fazendas dos estados e municípios, pelas dificuldades impostas pelos procedimentos e pelo desconhecimento de que seu direito a compensação não pode se limitado têm deixado de utilizar essa valorosa hipótese de compensação dos precatórios como forma de obter a liberação dos débitos que possuem inscritos em dívida ativa, regularizando, assim, suas situações perante as fazendas públicas.

*Ricardo Botós da Silva Neves, advogado, sócio responsável pela área de Direito Societário de Monteiro & Neves Advogados

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