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As empresas e a nova lei de dados

Por Leandro Longhi
Atualização:
 Foto: Acervo Pessoal

Uma grande mudança impactará nos negócios a partir de agosto de 2020. A lei 13.709, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), passará a regulamentar todo o processo e cuidado referente aos dados pessoais, desde sua captação, armazenamento, processamento, finalidade e proteção. Seja em âmbito físico ou digital.

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As mudanças organizacionais necessárias para o atendimento da lei definirão um novo sistema organizacional nas empresas, não restrito a área de TI e jurídica. Desde as estruturas hierárquicas, composições estruturais em departamentos, novos cargos e funções, políticas, diretrizes, processos, regulamentações internas, auditorias, compliance e risco, cultura e treinamento, planos de contingência e na relação da empresa com o mercado como um todo. Ou seja, uma transformação abrangente, sistêmica e cultural.

A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) foi criada após aprovação da Medida Provisória nº 869/18 e será formada por um Conselho Diretor - nomeado pelo Presidente da República, Conselho Nacional, Corregedoria, Ouvidoria, Assessoria Jurídica e Unidades Administrativas.

O Conselho Nacional será estruturado com representantes do Poder Executivo Federal, Senado Federal, Câmara dos Deputados, Conselho Nacional de Justiça, Ministério Público, dentre outros.

As principais expectativas da sociedade e principalmente do mundo corporativo em relação a ANPD está na formulação da Política Nacional de Proteção de Dados Pessoais e Privacidade, onde teremos um detalhamento maior das principais diretrizes a serem adotadas pelas empresas no tratamento de dados privados.

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Todas as empresas que operam no mercado brasileiro, sejam elas de capital nacional ou estrangeiro, com subsidiária ou matriz no país, devem atender a nova regulamentação. Cabe lembrar que as companhias brasileiras que atuam na Europa já estão operando e sujeitas a normativa da Legislação Europeia de Proteção de Dados (GDPR), que vigora desde 2016. Estas tiveram que ajustar sua estrutura para poder trabalhar no mercado do velho continente, sob o risco de nem mesmo serem aceitas nas tratativas comerciais com clientes e fornecedores.

Mas afinal, como as empresas devem se organizar, ou reorganizar, para estarem aptas e adequadas em operar dentro da nova ordem?

A lei não determina, de forma específica, as ações a serem adotadas pela empresa para a proteção dos dados, mas aponta as diretrizes e, em poucos casos, consegue ter descrições mais detalhadas. Possivelmente esse será um ponto a ser tratado e terá atenção nos primeiros anos de ação da ANPD.

O trabalho implicará em todo tipo de coleta e processamento de dados pessoais. A empresa terá de rever todo processo na sua cadeia produtiva, pois cada pessoa possui o controle sobre suas informações pessoais e tem o direito de autorizar e saber como estas serão usadas. Desde os dados mais comuns serão considerados, como um cadastro para acesso ao prédio onde fica o escritório, até um prontuário médico de um paciente.

É importante estar atento aos princípios que devem ser observados no tratamento de dados, destacando: realização do uso para propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular, sem possibilidade de utilização posterior de forma incompatível com essas finalidades; compatibilidade com as finalidades informadas ao titular, de acordo com o contexto deste; limitação ao mínimo necessário para a realização de suas aplicações, com abrangência dos dados pertinentes, proporcionais e não excessivos; garantia, aos titulares, de informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a realização do tratamento e os respectivos, observados os segredos comercial e industrial; utilização de medidas técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou difusão; adoção de medidas para prevenir a ocorrência de danos em virtude do uso desses dados; demonstração, pelo agente, da adoção de medidas eficazes e capazes de comprovar a observância e o cumprimento das normas de proteção das informações pessoais e, inclusive, da eficácia dessas medidas.

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Estes princípios representam a "espinha dorsal" do que e como a empresa deve desenvolver em termos organizacionais sua estrutura de regulação e limites para o uso dos dados pessoais.

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Como a implantação é inevitável, a empresa deve aproveitar para tratar este assunto de forma séria e a longo prazo, criando um processo efetivo que proteja a mesma, principalmente no aspecto reputacional. Uma cultura corporativa voltada para a proteção de dados, com atuação efetiva e rigorosa em termos de fiscalização, adaptada a exigências que possivelmente devem aumentar com o passar do tempo.

A lei também prevê a criação de um canal de comunicação para o registro de reclamações e deste sairão as principais ações da autoridade nacional. Veja o impacto da autuação do Google na França. Através de denúncia coletiva, a empresa foi condenada a pagar 50 milhões de euros por sua política de gerenciamento de dados pessoais, em especial, por utilizar informações para fins comerciais.

Para estabelecer os critérios internos da empresa para a implantação dessas medidas é indicado a criação de um "Programa de governança em privacidade". Políticas e processos para assegurar o cumprimento da legislação e a proteção efetiva dos dados pessoais, com a sistemática avaliação de risco de privacidade - no formato de Privacy Impact Assessment, além de um plano de contingência em caso de incidentes de vazamento de dados.

Depois, cabe a empresa determinar as condições de organização, regime de funcionamento, procedimentos - incluindo reclamações e petições de titulares - normas de segurança, padrões técnicos e obrigações específicas para os diversos envolvidos. Sem esquecer as ações educativas, mecanismos internos de supervisão e de mitigação de riscos e outros aspectos relacionados ao tratamento de informações pessoais.

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A pesada multa em caso de irregularidades será de até 2% do faturamento da pessoa jurídica de direito privado, grupo ou conglomerado no Brasil no seu último exercício, excluídos os tributos, limitada, no total, a R$ 50 milhões por infração. Esta poderá ser abrandada mediante a apresentação por parte da empresa, em sua defesa, de sua estrutura organizacional voltada para a proteção e privacidade.

Neste aspecto que todo o esforço interno trará resultado, pois se isso ocorrer, a multa será o menor problema, tendo em vista que a reputação da empresa estará em jogo.

Não resta dúvida que o contexto moderno, frente as evoluções tecnológicas e a facilidade da disseminação das informações exige uma interferência legal, colocando limites nas práticas de uso dos dados pessoais. Isso impactará nas estruturas e orçamentos das empresas, com um período de muito trabalho e adaptações, mas é o amadurecimento do mercado frente aos avanços tecnológicos e a proteção do indivíduo que está em jogo.

*Leandro Longhi é especialista em gestão de riscos e diretor da Squadra - Gestão de Riscos

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