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As eleições municipais e o coronavírus

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Por Kayo César Araújo da Silva
Atualização:
Kayo César Araújo da Silva. Foto: ARQUIVO PESSOAL

A expansão agressiva gerada pela transmissão comunitária do novo coronavírus desafia os Poderes da República a uma tomada de posição diante das complexas situações que lhes foram impostas. Nesse ambiente de incerteza, variados questionamentos acabaram surgindo, dos quais, destaca-se a tese de viabilidade (ou não) da realização das eleições municipais ainda neste ano.

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Segundo o texto constitucional, estes pleitos devem ser realizados a cada quatro anos e sempre no primeiro domingo de outubro do ano anterior ao termino da eleição. Essa regra, por si só, evidencia, para qualquer discussão desse tipo, o respeito ao requisito formal de alteração pela regra da Emenda à Constituição.

Respeitando o pensamento divergente que aponta o art. 16 da CF/88 como regra limitadora a alteração da data da eleição[1], posicionamos o entendimento no sentido de afastar essa limitação temporal, uma vez que a Constituição, ao assim dizer, o fez buscando proteger o pleito eleitoral das alterações casuísticas e direcionadas a parcela de eleitores e candidatos,evitando, assim, exposição desses personagens a um ambiente de desigualdades.

Esse fundamento pode ser captado na justificação apresentada pela Emenda Constitucional nº 4/93, responsável pela nova formatação do art. 16, segundo a qual via a necessidade do tempo mínimo para privilegiar a normalidade do pleito, evitando que, "(...) às vésperas de eleições, se estabelecem casuísmos prejudicando, muitas vezes, a própria legitimidade"[2].

Esses dois alicerces, previstos nas razões de fundação da EC nº 4/93, seguem sendo aplicados pelo Supremo Tribunal Federal em diversos casos: Quando decidiu que i) a Lei da Ficha Limpa não deveria ser aplicada às eleições de 2010, o Plenário do STF entendeu que o artigo buscava "(...) impedir alterações no sistema eleitoral que atingi(sse) a igualdade de participação no prélio eleitoral"[3]. Foi, também, esse entendimento utilizado pelo STF ao decidir, ii) para as eleições de 2006, a verticalização das coligações partidárias[4], bem como, quando declarou iii) inconstitucional dispositivo que proibia a divulgação de resultados de pesquisas eleitorais.

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Nestes dois últimos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal acabou registrando que a finalidade do dispositivo era de igualizar a oportunidade entre os partidos políticos e seus candidatos, de tal maneira que, ao ser percebido que a alteração legislativa não provocaria quebra no equilíbrio entre quem concorria, não se poderia "(...) falar em ofensa ao princípio da anterioridade da legislação eleitoral" [5].

A Constituição, assim, só exigiria o tempo mínimo de 1 ano da data da eleição quando fosse deflagrada, na alteração legislativa, a quebra da normalidade e da legitimidade das eleições. Não sendo vislumbrada a mancha da desigualdade no pleito, a imposição do tempo mínimo acabaria pendendo força, nascendo, assim, a cristalina autorização constitucional de modificação da data da eleição municipal deste ano.

Por não possuirmos elementos concretos que esclareçam até onde (e quando) o cenário de pandemia vai, essa opinião, tentando antecipar a discussão (que ainda não está posta), reconstruindo as razões histórica e jurisprudencial da norma, registra a viabilidade constitucional da alteração da data da eleição municipal para até o 31º dia do mês de dezembro de 2020.

Ao assim fazer, as regras do jogo acabariam sendo modificadas para todos os partícipes, sejam eles eleitores e/ou candidatos (para o bem e para o mal)[6]. Além de garantir a higidez do processo eleitoral, a solução possibilita um ambiente democrático que privilegia, em suma, a legitimidade das eleições e dos mandatos representativos. Eis, aqui, a chave para a questão constitucional!

*Kayo César Araújo da Silva é advogado, sócio do escritório César & Guimarães Advogados Associados, professor de Direito Constitucional, Administrativo e Eleitoral e Mestre em Direito Constitucional pelo IDP-DF

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[1] Há uma tese viva que aponta o princípio da anterioridade eleitoral, previsto no art. 16 da CF/88, como peso inviabilizador da alteração da data da eleição, uma vez que a norma exigiria, tempo mínimo de um ano antes da data da eleição para ser aplicado ao pleito eleitoral.

[2] É possível localizar a justificação da EC nº 4/93 neste link.

[3] RE nº 633.703/MG, Rel. Min. Gilmar Ferreira Mendes, DJ 18.11.2011.

[4] ADI 3.685/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 10.08.2006.

[5] ADI nº 3.741/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 23.02.2007

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[6] É importante deixar claro que não se pode confundir o legítimo adiamento das eleições municipal deste ano com a possibilidade de criação de mandatos tampão e com a viabilização da prorrogação de mandatos, medidas, estas que, por violarem o princípio da periodicidade do voto e o princípio democrático, tornariam as medidas absolutamente inconstitucionais.

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