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As bodycams como salvaguarda do povo e da polícia

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Por Bruno Henrique de Moura
Atualização:
Bruno Henrique de Moura. Foto: Divulgação

Em tempos de distensões a respeito da validade da ciência, a confiabilidade de pesquisas, a eficácia do método científico e a concretude de teorias centenárias, estudos realizados por importantes universidades norte-americanas nos últimos anos demonstram que o uso de câmeras acopladas nos uniformes de policias reduz os índices de abusos na atuação policial e auxilia a detecção de desacatos dos abordados.

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Em 2016, a conceituada Criminal Justice and Behavoir publicou o estudo ""Contagious  Accountability": A Global Multisite Randomized Controlled Trial on the Effect of Police Body-Worn Cameras on Citizens' Complaints Against the Police". A pesquisa utilizou um método randômico sob dez departamentos de polícia nos EUA durante 4.262 turnos de serviço. O resultado mostrou que as reclamações contra abusos policiais caíram entre 44% e 100% no escopo pesquisado.

Mesmo sem a certeza de que (i) a violência policial diminuiu e que (ii) esse efeito se deu pelas câmeras, os dados demonstram uma redução nas denúncias de abuso policial, o que pode ser interpretado de duas maneiras: (a) a vigilância por gravação gera um efeito controlador sobre os agentes que deixam de agir abusivamente, pois estão monitorados ou (b) os casos de falsas denúncias caíram drasticamente, pois os denunciantes sabiam que seriam desmentidos e penalizados pela falsa acusação de crime. De qualquer ângulo, o efeito foi positivo.

No ano seguinte, em 2017, estudo publicado na revista Policing analisou 21 estudos em diversas partes do mundo sobre o efeito do uso de câmeras nos uniformes policiais. Em geral, percebeu-se que as câmeras modificaram o comportamento agressivo de alguns servidores, funcionando como um sinalizador de conduta. O mesmo estudo indicou que o efeito de redução de agressividade variava conforme o poder do agente de desligar ou manter ligada a câmera.

Estudo da Universidade de Cambridge traz dados ainda mais surpreendentes. A pesquisa observou o uso de câmeras em policiais do departamento de polícia de Rialto, na California. O uso de câmeras diminuiu em 87,5% o uso da força, bem como caiu em 59% o uso de denúncias de abuso policial.

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Não se pode ignorar outras pesquisas realizadas, como experiência de um professor de direito da University of South Carolina, que detectou que a depender da posição no corpo do agente em que a câmera é colocada há uma percepção de maior intensidade de conflito ou confronto do que realmente existe, visto de ângulo mais distante. Detalhes importantes da práxis no uso da ferramenta.

Os dados dizem muito aos tomadores de políticas públicas no Brasil. As bodycams testemunham os fatos, a condução da situação pelos policiais, o comportamento do abordado, o risco ao policial e ao transeunte. Tudo fica registrado e pode ser avaliado posteriormente pelo comandante, pela corregedoria, pelo promotor, pelo advogado e pelo juiz.

Cada qual tem uma função determinada no sistema coercitivo estatal. Na linha de frente, os agentes das polícias militar, civil, federal e rodoviária tem o mais delicado dos papeis. Compete a estes servidores coibir a prática delitiva ou que suspeitos se evadam da aplicação da lei. Mas não lhes cabe o juízo final se o interpelado cometeu o crime aludido, se a pena que merece é de espancamento com cacetete ou a morte.

Ademais, as câmeras possuem fundamental papel para proteção do próprio policial. Quantas dezenas de casos de presos que acusam o agente de abuso de autoridade, lesão corporal, tortura, e tantos outros crimes apenas para prejudicar quem lhe capturou. As bodycams darão às autoridades de Justiça elemento de prova inclusive na persecução penal para provar ou desmentir um fato.

Imaginemos que um policial, de serviço, dentro de sua viatura, flagre um roubo à transeunte, persiga e prenda o suspeito. A imagem capturada valerá muito mais que apenas a declaração do policial, que hoje, por ausência de melhor remédio, tem fé pública bastante inflada pelos magistrados Brasil a fora.

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Resolveríamos dois problemas: o primeiro é aumentar a segurança de fidelidade da prova de um ato delitivo, o segundo é reduzir a anacrônica presunção de que palavra policial é sinônimo de verdade e integridade, o que se sabe, não é absoluto.

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A evolução tecnológica, quando benéfica, deve ser acolhida e implementada nos sistemas coercitivos. Se a vigilância ampla serve para o controle da população por certos regimes orientais, uma nação liberal e democrática, fincada em preceitos constitucionais da presunção de inocência, da liberdade e da privacidade, tem a obrigação de virar a chave e transformar os meios antidemocráticos em  garantidores da integridade das suas forças de segurança.

O panopticon da contemporaneidade deve proteger a população e as prerrogativas constitucionais de cada um. O policial fardado, em plantão, cumprindo sua jornada de trabalho, necessita de todas as garantias legais já atribuídas ao seu ofício. Porém, a quem muito é dado, em mesma ou maior proporção deve-se ser cobrado. A vigilância daquele que usa uma arma sob em nome do Estado é tão importante quanto a prisão do criminoso, pois pior que o delito popular é a infração de quem tem obrigação de coibi-lo.

Não é aceitável a perpetuação dos abusos contra a população, que há muito se sabe e pouco se vê. As recentes imagens de violência gratuita, com 6 ou 8 agentes abusando da força e desrespeitando a sagrada insígnia da Polícia Militar só corroboram um problema conhecido nas periferias. O vigiar dos agentes estatais é tão importante quanto a persecução ao crime, pois sem sistema confiável de segurança os grupos de poder paralelo ganham terreno nas comunidades Brasil a fora.

Algumas policias brasileiras vêm testando as bodycams em restritos grupos de agentes. No Rio de Janeiro, iniciativa da polícia local em parceria com o instituto Igarapé implementou projeto piloto nesse sentido. Em Florianópolis, desde o ano passado, viaturas já contam com esse tipo de iniciativa. A gravação começa no momento que os agentes aceitam a ocorrência e ficam armazenadas em um sistema de nuvem. Na capital paulista, desde junho de 2019 a 3ª Companhia do 37º Batalhão de Polícia na Zona Sul da Cidade utiliza os equipamentos. Esses autores desconhecem estudos científicos a respeito da diminuição do índice de abuso policial e das denúncias de uso excessivo da força nessas três experiências piloto.

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Ademais, é primordial que a sociedade civil abarque essa proposta e que as associações representativas façam a devida pressão nos congressistas federais e estaduais para implementar a medida em todo o país. No final do ano passado, a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados rejeitou um projeto de lei que determinava que todas as viaturas das polícias Civil e Militar tenham rastreamento por GPS e câmeras de vigilância on-line para gravar as abordagens policiais.

À época, a relatora deputada Major Fabiana (PSL-RJ) rejeitou o projeto sob o argumento de que seria um contrassenso gastar com as viaturas quando as polícias não contam com equipamentos de trabalho e programas de capacitação, além de salários defasados em diversos estados. Um contrassenso, pois mais do que uma ferramenta de vigilância dos policiais, as câmeras funcionarão como salvaguarda dos bons profissionais e expurgo aos maus agentes, que incalculáveis danos geram às policias.

O gasto econômico da medida se torna quaternário quando comparado com os benefícios ao povo e à polícia.

*Bruno Henrique de Moura, advogado do Machado de Almeida Castro & Orzari Advogados e membro da Comissão de Direito Militar da OAB/DF 

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