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Articulação entre SUS e planos de saúde no combate à covid-19

Por Frederico da Silveira Barbosa
Atualização:
Frederico da Silveira Barbosa. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A pandemia do coronavírus exigirá cada vez mais capacidade operacional, tanto do Sistema Único de Saúde (SUS) como dos planos de saúde. Porém, a implantação direta das capacidades desejadas pelo SUS, dependente de conhecimentos, espaços, equipamentos, recursos humanos e financeiros escassos, não será suficiente. Por isso, uma articulação entre os dois sistemas será essencial para o enfrentamento da crise propiciada pela covid-19, pois viabiliza (i) a transferência de capacidades operacionais de atendimento de pacientes com dificuldades respiratórias graves (capacidades desejadas) do segundo ao primeiro e (ii) a mútua cooperação para a ampliação dessas capacidades.

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No momento, é urgente a necessidade de definição - preferencialmente consensual - de protocolo que trate a transferência das capacidades desejadas da rede privada ao SUS, a partir do qual a cooperação mútua e coordenada entre os sistemas será a forma mais eficiente para ampliação dessas capacidades. Essa transferência se justifica pela desigualdade em suas atuais alocações. Quando protocolos éticos para escassez fixarem idades limites dos pacientes a serem atendidos pelas capacidades desejadas, será legal e eticamente relevante essas serem próximas nos sistemas público e privados. Salvo em casos excepcionais - como de falta de recursos humanos para operação de equipamentos disponíveis - não haverá transferências de recursos da rede pública à privada, pois o caráter universal do SUS permite que os clientes desassistidos dos planos também usufruam de suas capacidades.

Hoje, não há incentivos para a expansão emergencial das capacidades desejadas pela rede privada. Nenhum preço marginal pelas unidades dessas capacidades que forem implantadas foi ofertado pelo SUS e eventual expansão poderá ser requisitada sem prévia definição da indenização a ser feita, impedindo, assim, a oferta dessas capacidades aos planos de saúde, que pagam melhor e em condições conhecidas. Com a vigência de um regime de cooperação entre SUS e planos de saúde, cada sistema saberá a parcela da expansão que lhe caberá. Se o SUS remunerar a parcela que lhe couber nas mesmas condições aplicáveis aos planos e por meio destes, incentivará o comportamento expansionista que neste momento é essencial. Como financiadores das redes de saúde, operadoras e Estado estão do mesmo lado.

A articulação entre SUS e planos de saúde viabilizará proporcionalidade na transferência das capacidades desejadas, facilitando o atendimento na escassez. Como a demanda dos hospitais privados vem dos planos, é melhor esses participarem do planejamento das restrições do que apenas sofrerem as consequências de inúmeras requisições do SUS aos hospitais. Requisições desproporcionais das capacidades tornarão mais desassistidas ainda as demandas dos planos, sobrecarregando ainda mais o SUS.

Como a relação entre planos de saúde e hospitais envolve uma assimetria informacional menor que a existente entre poderes públicos e hospitais privados, a atuação dos planos na implantação das capacidades multiplicará as frentes de negociação, ampliando as possibilidades de êxito. Por outro lado, a participação do poder público reprimirá resistências infundadas, inclusive pela requisição administrativa direta das capacidades desejadas para atendimento das necessidades públicas e privadas.

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A cooperação produzirá outras vantagens aos planos de saúde, como a mitigação dos riscos da requisição desordenada em relação a falta de execuções contratuais, incentivando-os a articularem-se com o SUS. Como a obtenção das capacidades pelos SUS reduzirá os custos dos planos, que não terão que arcar com os leitos transferidos, o SUS poderá pagar-lhes valores inferiores àqueles que seriam pagos diretamente aos hospitais, caso a estes fossem dirigidas requisições administrativas.

A articulação do SUS com os planos será facilitada pela anunciada desburocratização do uso das reservas garantidoras, que poderá liberar aos planos R$ 10 bilhões. Será razoável empregar essa liberação nos compromissos dos planos pertinentes (i) à transferência voluntária e parcial das capacidades desejadas, (ii) à mútua cooperação para ampliação dessas capacidades e (iii) à antecipação dos pagamentos devidos pelo SUS à rede própria ou credenciada cujas capacidades desejadas tiverem sido transferidas.

Compreende-se que governos e sociedade organizada tenham dificuldade em discutir a transferência de capacidades de atendimento das classes mais abastadas para o SUS. Mas é nos momentos de crise que as instituições precisam ser recordadas acerca da necessidade de constante redirecionamento da República para o bem comum. A base de uma parceria público-privada emergencial será a regulamentação da competição entre os sistemas público e privado pelas capacidades desejadas, possibilitando a cooperação na ampliação das capacidades e na redução da desigualdade na oferta dessas.

*Frederico da Silveira Barbosa, advogado e consultor em regulação

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