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Arma serve para matar

Por José Renato Nalini
Atualização:
José Renato Nalini. FOTO: WERTHER SANTANA/ESTADÃO Foto: Estadão

O que se gasta no planeta com armamento seria suficiente para a resolução de quase todas as questões urgentes, que ameaçam o futuro da humanidade. Sei que sou atípico e radical nesta área. Um instrumento que serve para matar, sequer deveria ser fabricado.

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As tecnologias disponíveis podem conceber outras fórmulas de neutralização dos que devam ser obstados de praticar violência. Já existem armas não letais, que podem paralisar, aplicar descarga elétrica insuficiente para tirar a vida e outras ainda podem ser inventadas ou desenvolvidas.

O poder de persuasão da indústria armamentista seduz muitas mentes. Em regra, aquelas afeiçoadas à violência, que pretendem resolver tudo com a força e que não hesitam na adoção de táticas de morticínio, que justificam sempre com uma retórica edificante.

Conheço indivíduos que só se consideram protegidos quando armados. O revólver, a pistola, a garrucha, e outros que tais, constituem uma extensão de seus membros. São corajosos, destemidos, pretendem-se invulneráveis, porque levam consigo essa ferramenta que mata.

Aplaudem a política do "liberou geral", que contraria um Estatuto do Desarmamento e que, para eles, só serve para "deixar indefesos os honestos", enquanto a bandidagem tem acesso a todas as espécies de instrumentos mortíferos.

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Eles levam a melhor. Numa sociedade egoísta e autocentrada, com a ressurreição do mito do "amigo/inimigo", é fácil propalar que em cada lar deva existir ao menos uma arma, para rechaçar os criminosos.

Por coincidência - será mesmo coincidência? - em 2020 o Brasil registrou seis mil mortes violentas de crianças e de adolescentes. A cada dia, cerca de dezessete ocorrências dessas em que o futuro foi aniquilado. Impediu-se alguém de chegar à maturidade. À evidência, o maior número é de jovens negros.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou a nefasta cifra de 12.034 brasileiros que não chegaram a se tornar adultos, por causa de uma violência dolosa. O perfil das vítimas é de crianças e adolescentes do sexo masculino e negros. O homicídio doloso foi o crime que mais matou quem estava abaixo de dezenove anos. Foram 82,4% dos casos. Ceará, Rio Grande do Norte, Sergipe e Pernambuco, os Estados com a maior incidência desses crimes.

Para especialistas, o aumento de mortes de crianças ocorreu na pandemia, quando elas perderam o contato com a escola, o local ideal para o desabafo. O canal por excelência da escuta é a escola. Sem aulas, tiveram de permanecer em casa e os episódios de violência doméstica também aumentaram. Muito desemprego, muita miséria, mas também muito álcool e outras drogas. Tudo a contribuir para um clima de verdadeiro perigo para os mais indefesos.

Mas também os adultos morreram mais e de forma violenta inclusive. São Paulo, que vinha registrando quedas significativas nas taxas de homicídio, viu que elas cresceram no último ano.

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Há muitas explicações. Elas coincidem ao considerar a pandemia um fator agravante. O distanciamento social forçou as pessoas a permanecerem mais em casa. O desemprego gerou redução do orçamento do lar. Onde falta pão, sobra incompreensão.

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Mas muitas mortes teriam sido evitadas se não houvesse a propagação do uso de arma de fogo. A facilidade no manuseio faz com que ela seja a primeira resposta quando da impulsividade.

A miséria não é o fator predominante no crime de homicídio. Assim fora e o Brasil não teria assistido, com espanto e horror, à morte do garoto Henry Borel, de apenas quatro anos, no Rio de Janeiro. Antes de ser morto, sofreu vinte e três lesões. Havia escoriações e hematomas, infiltrações hemorrágicas em três regiões da cabeça, laceração no fígado e contusões no rim e no pulmão à direita, além de inúmeras outras provas de maus-tratos. Isso ocorrera tempos antes do dia fatal em que foi assassinado, ao que tudo indica, pela mãe e pelo namorado dela.

A maldade do bicho-homem é algo ínsito à sua natureza. Por isso é que não se deve brincar com a espécie, dando a ela apetrechos que matem. Embora se autoconsidere o único animal racional dentre os seres vivos, o ser humano é também o único a se portar de maneira cruel, perversa, desalmada. Mas para uma criatura desalmada, é melhor que esteja também desarmada.

Morrer, todos morrem. Por que antecipar aquilo que virá naturalmente, pois esse o destino dos vivos?

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*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras - 2021-2022

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