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Aras de aviso prévio

Por Wálter Fanganiello Maierovitch
Atualização:
Wálter Fanganiello Maierovitch. FOTO: DENISE ANDRADE/ESTADÃO Foto: Estadão

Augusto Aras chegou à Procuradoria-Geral da República por nomeação do presidente Jair Bolsonaro. O presidente desprezou a tradicional lista tríplice apresentada, depois de votação, pelos próprios membros do Ministério Público Federal.

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Aras não concorreu à supracitada eleição por falta de prestígio entre os procuradores. Como havia ingressado no Ministério Público antes da entrada em vigor de Constituição de 88, teve ele o direito de escolher entre abdicar da advocacia ou manter uma atividade híbrida: advogado e procurador. Aí, Aras escolheu permanecer como advogado e membro ativo do Ministério Público. Ao desprestigiar o Ministério Público, Aras perdeu prestígio entre os membros da instituição.

No popular, Aras continuou a usar "dois chapéus", num momento que a nova Constituição conferia ao Ministério Público relevantíssimas funções como, por exemplo, defender a nossa lei maior e a sociedade brasileira, com os seus membros a gozar, no interesse de público, das fundamentais garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos. Mais ainda, a Constituição passou a proibir o exercício da advocacia aos procuradores e promotores de Justiça com ingresso na instituição depois da sua vigência, tudo por óbvias incompatibilidades.

Augusto Aras e Jair Bolsonaro. FOTO: GABRIELA BILO/ESTADÃO Foto: Estadão

De "peixe fora d'água", Aras, com apoio dos filhos do presidente Bolsonaro, virou o chefe do Ministério Público Federal e único legitimado, por exemplo, a denunciar criminalmente o presidente da República. Também e sempre à luz do "jus puniendi", o único legitimado a determinar, em hipóteses de ações penais públicas incondicionadas, o arquivamento de inquéritos penais com suspeitas a pesar contra o chefe de Estado e de governo.

O perfil filo-bolsonarista de Aras já é público e notório. Até chegou a arquivar inquérito com prova provada de Bolsonaro ter promovido aglomerações, em cidades-satélites de Brasília e em tempo de pandemia pela covid-19. Além de se recusar a usar máscaras, tudo a contrariar normas impostas pelo poder público. A propósito, o artigo 268 do Código Penal, no capítulo a tipificar os crimes contra a saúde pública, assim reza: "Infringir determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa".

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Para espanto geral, Aras, em nota pública divulgada no dia 20 de janeiro passado, abriu mão das suas atribuições constitucionais apuratórias criminais. Não bastasse, insinuou, como a dar sugestão a Bolsonaro, estarmos próximos a um estado de defesa, dada a gravidade da questão sanitária. Referia-se, certamente, às tragédias nos hospitais de Manaus, que ficaram sem oxigênio para pacientes do coronavírus, com recém-nascidos igualmente expostos a risco.

A propósito, as apurações deveriam ficar por conta do Ministério da Saúde, escreveu Aras. O ministro da Saúde e o presidente da República, em tese, são corresponsáveis pela calamitosa e trágica situação. Ao declinar da sua atribuição - como se pudesse prevaricar -, Aras colocou o ministro Eduardo Pazuello e o presidente Bolsonaro como isentos de responsabilidades. A lembrar: Pazuello, por ser ministro, é um agente da autoridade do presidente da República. Tem mais, Pazuello declarou-se, sabujamente, fiel cumpridor das ordens de Bolsonaro.

A nota de Aras provocou a indignação em seis membros do Conselho Superior do Ministério Público. O repúdio se tornou público, no mesmo dia da ciência pública da nota do procurador Aras.

A nossa democrática Constituição encampou a doutrina da triparticipação fundamental dos poderes desenvolvida pelo jus-filósofo Montesquieu, um pré-iluminista. Cada Poder teria independência e autonomia, mas seria controlado para evitar abusos.

Montesquieu, ressalte-se, desenvolveu a doutrina da separação dos poderes do filósofo John Locke e chegou ao conhecido "checks and balances system", ou seja, ao sistema de freios e contrapesos. Ficou célebre a sua frase: "Para que não se abuse do poder, é preciso que - pela disposição das coisas - o poder freie o poder".

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Parêntese: o sistema de freios e contrapesos está presente na Constituição americana de 1787. James Madison, um dos pais da pátria e que produziu escritos sobre as discussões constitucionais, conhecia com profundidade a obra de Locke e a obra O Espírito das Leis, publicada por Montesquieu em 1748.

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No nosso sistema de freios e contrapesos, o Senado da República pode aprovar, por maioria absoluta e voto secreto, a exoneração do procurador-geral da República (art. 52, XI, da Constituição).

Na mesma linha dos freios e contrapesos, o procurador-geral da Justiça, por crime tentado ou consumado, poderá ser, por determinação vinculante do Conselho Superior do Ministério Público, denunciado criminalmente. O artigo 57, inciso X, da Lei Complementar número 73, de 1993, estabelece caber a subprocurador designado pelo Conselho Superior a atribuição de processar criminalmente o procurador-geral da República.

Com efeito, expressiva maioria de membros do Conselho Superior do Ministério Público advertiu Aras, por nota de quarta-feira, 20 de janeiro, do perigo de continuar com contorcionismos jurídicos para agradar a Bolsonaro. O Ministério Público é instituição fundamental à democracia, goza de independência e autonomia. Não se presta à subserviência.

Os seis subprocuradores, José Adônis Callou de Araújo Sá, José Bonifácio Borges de Andrada, José Eleares Marques Teixeira, Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, Mário Luiz Bonsaglia e Nicolao Dino, estão atentos e não dispostos a prevaricar.

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A advertência dos subprocuradores, que recebeu eufemisticamente o designativo de nota e mostra situação limite ao crime de prevaricação, coloca Aras em situação, tomada por empréstimo a terminologia do direito social-trabalhista, de "aviso prévio".

*Wálter Fanganiello Maierovitch, 73 anos, preside o Instituto Brasileiro Giovanni Falcone de Ciências Criminais. É professor de Direito, desembargador de carreira aposentado, Cavaliere della Repubblica Italiana e comentarista da rádio CBN, quadro Justiça e Cidadania

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