A Receita Federal do Brasil (RFB) publicou recentemente a Solução de Consulta DISIT nº 3003, na qual concluiu que a alíquota aplicada para fins de retenção de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) no caso de um acordo homologado por sentença arbitral não seria a mesma aplicada às decisões judiciais. Em caso de sentença arbitral, deveria ser aplicada a alíquota de 15%, trazida pelo art. 740 do RIR/2018, já em sentença judicial a alíquota aplicada é de 5%, conforme o art. 738 do RIR/2018.
A posição adotada pela Receita não é nova, já havia sido externada na Solução de Consulta nº 184/2021, e merece uma análise crítica e ponderações, pois apresenta entendimentos preocupantes.
Note-se que ao afastar a hipótese de indenização decorrente de sentença arbitral da hipótese de incidência prevista pelo art. 738 do RIR/2018 o efeito prático é o evidente desestímulo à busca de solução consensual de conflitos, exigindo que as partes movimentem o Judiciário para ter aplicação de alíquota mais baixa de imposto de renda.
Em resumo, o caso objeto de análise na Solução de Consulta nº 184/2021, publicada em dezembro de 2021, questionava à Fiscalização se seria aplicável o art. 738 do RIR/2018, referente à alíquota de 5%, ou o art. 740 do RIR/2018, referente à alíquota de 15%, para fins de retenção do IRRF sobre pagamentos realizados a título de indenização por rescisão contratual.
Tratou-se na consulta de acordo homologado por sentença arbitral, diante da rescisão das diversas relações contratuais que existiam entre uma empresa de marketing e uma empresa que atua com transmissões de competições esportivas por meio de seus canais de TV fechada.
Na Solução de Consulta DISIT nº 3003, de 25 de abril de 2022, a RFB entendeu novamente de que a hipótese de retenção do Imposto sobre a Renda na fonte prevista no art. 738 do RIR/2018, de 5%, não abrangeria importâncias pagas às pessoas jurídicas em decorrência de sentença arbitral.
Percebe-se que a Fiscalização seguiu afirmando que sentenças arbitrais não poderiam ser consideradas equivalentes às decisões judiciais, desincentivando a solução consensual dos conflitos.
Importante destacar que também foi fixado entendimento referente ao alcance dos valores nos quais o IRRF vai incidir. Conforme a Solução de Consulta, a dispensa à retenção do IRRF, prevista no § 5º do art. 740 do RIR/2018, sobre indenizações pagas ou creditadas para a reparação de danos patrimoniais, pode abranger somente os danos emergentes.
Dano emergente é o prejuízo efetivamente sofrido; já o que o prejudicado deixou de lucrar em razão, são os lucros cessantes. Na prática, se uma empresa retém o IRRF na fonte ao pagar a indenização, a outra parte receberá um valor menor a título de danos emergentes.
Para a análise acerca dos danos emergentes, houve a vinculação parcial da Solução de Consulta nº 21/2018, na qual já havia sido firmado o entendimento de que não se sujeita à incidência do Imposto sobre a Renda a indenização destinada a reparar danos até o montante da efetiva perda patrimonial.
Restou definido que o mero acordo entre as partes, ainda que homologado por sentença arbitral, não supriria a ausência da comprovação do dano. Evidenciando-se, assim, mais uma hipótese de inobservância à atual movimentação judiciária em direção ao incentivo da solução consensual dos conflitos.
Ora, percebe-se que foi imposta diferenciação de tratamento para as decisões arbitrais, com evidente prejuízo ao contribuinte que optou pela forma de resolução de conflito sem acionar o Poder Judiciário.
Este entendimento contrário ao incentivo de resoluções consensuais de conflito vai em desacordo com toda a inovação trazida no Código de Processo Civil (CPC) que, ainda em 2015 trouxe Normas Fundamentais expressas em seus 12 primeiros artigos. A própria tonalidade conciliatória do Código deixou expresso no art. 3º a arbitragem, conciliação e mediação como meios alternativos de resolução de conflitos, com previsão expressa em seu §2º que, sempre que possível, o Estado promoverá a solução consensual dos conflitos.
Analisando a Solução de Consulta nº 184 a conclusão da Receita é contrária, pois afirma categoricamente que "embora a sentença arbitral produza, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, se for condenatória, constitua título executivo, ela não vincula a União, quando esta não tiver participado da arbitragem".
Evidencia-se, portanto, que justamente por não ser caracterizada como sentença judicial, a sentença arbitral não se presta para fins da retenção prevista no art. 738 do RIR/2018, qual seja, com a alíquota a 5%. Devendo, assim, ser aplicada alíquota mais gravosa ao contribuinte, de 15%.
A argumentação trazida pela Receita, além de estar em desacordo com o CPC de 2015, confronta diretamente o art. 31 da Lei de Arbitragem, que, ainda em 1996 estabeleceu que a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário.
Ainda que se considere a fundamentação de não ser aplicável o entendimento do art. 31 por tratar-se de discussão envolvendo a União, que não seria parte integrante da arbitragem, resta evidente que o engessamento do Órgão em interpretar de forma estática a letra da lei, apenas terá efeito contrário à busca de solução consensual de conflitos, exigindo movimentação extremamente onerosa ao Judiciário.
O desfecho do entendimento fixado pela Receita nas Soluções de Consulta analisados é o desincentivo à arbitragem para fins de rescisão contratual. As partes que antes sequer cogitariam buscar o Poder Judiciário, muito mais oneroso e moroso, agora não terão opção senão buscar aplicação de entendimento menos gravoso à alíquota de IRRF incidente sobre os danos emergentes. Assim, movimentando a Máquina Pública e onerando toda a sociedade, em evidente afronta aos estímulos trazidos pela legislação à busca da justiça consensual.
*Lara Hoeltz Sperb, advogada especializada em Direito e Processo Tributário