Na cidade de Dourados, a segunda maior do Estado de Mato Grosso do Sul, um homem embriagado pulou, durante o repouso noturno, o muro de um imóvel particular e subiu no telhado. Ao procurar entrar na casa pelo teto, caiu de lá, tendo ferido o pé. A vítima então o apanhou e ele foi processado criminalmente pelo Ministério Público, por furto tentado duplamente qualificado. Entretanto, na sentença, o juiz o absolvera, alegando que não ficara provado o animus furandi, isto é, que o réu quisesse surripiar qualquer coisa do local em que adentrara.
Discrepando do teor da decisão, na condição de Promotor de Justiça que acompanhava o caso, interpus a seguinte apelação, em forma de poema. Escrevi nos autos:
Homero preconizava que "os deuses criam infortúnios para que os homens cantem". Com a devida vênia poética, em singelos versos, expõe-se a presente irresignação:
Senhor Desembargador,
O Parquet da sentença recorre
E lhe requesta que a reforme,
Por favor!
Apela-se à sua consagrada experiência
E ao senso de legalidade que o move,
Aspirando à correta aplicação da ciência.
É que se reputa ter havido injustiça,
Ao se absolver o réu.
E foi enorme!
Urge descortinar todo o processo
Ponderando-se as provas, retirando-lhe o véu.
No Direito, é perleúdo
Que o crime que não se aperfeiçoa
Pode ser apenado, mediante um instituto:
Tentativa.
O acusado entrou de madrugada,
No interior do recinto,
Rompendo, assim, toda a fase executiva.
Após ter escalado,
Subiu no pináculo,
Rompeu obstáculo,
E foi pela vítima flagrado.
O animus furandi se depreende,
Do contexto e do histórico apresentado.
Trata-se de criminoso habitual,
Com antecedente,
Sobretudo patrimonial.
E isso o faz, há muito, desde que era adolescente.
Deveras, a teoria objetivo-formal
É um ponto de partida
De caráter fundamental,
Para se entender a figura da tentativa.
Logo, comportamentos periféricos
Não podem ser desprezados,
Máxime quando a parâmetros objetivos
E subjetivos, estiverem ajoujados.
Essa é a perspectiva!
Configuram-se os delitos.
O acusado penetrou no recinto, após no telhado subir,
Não por simples curiosidade, benevolência ou aventura.
A dialética demonstra, que ali estava com o escopo de subtrair.
À vítima causaria dano econômico e desventura.
Trata-se de furto tentado,
E contra isso não parece viável argumentar,
Sob pena de em breve,
O Direito se solapar.
Por conseguinte, bate-se às portas deste Colendo Tribunal,
E com este recurso se porfia,
Salvaguardando-se a lei e combatendo-se a criminalidade,
Nosso mister de todo dia,
Na busca de evitar-se um grande mal:
A impunidade
E também a anarquia.
*João Linhares Júnior, mestre em Garantismo e Processo Penal pela Universidade de Girona-Espanha; pós-graduado em Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais pela PUC-RJ. Titular da 4.ª Promotoria de Justiça de Dourados-MS