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Ao derrubar vetos, Congresso ameaça DNA e favorece impunidade

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Por Marcos Camargo
Atualização:
Marcos Camargo. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG) ultrapassou, neste ano, os 100 mil perfis cadastrados. Após anos em segundo plano, a ferramenta finalmente passou a receber a atenção necessária para ser eficaz na resolução de crimes. Nessa 2ª feira (19/4), no entanto, o Congresso Nacional impôs grande retrocesso à segurança pública ao derrubar os vetos do Executivo a trechos da Lei Anticrime (Lei 13.964/19) que prejudicavam os bancos de DNA. A mudança mina o funcionamento da ferramenta, favorece a impunidade e prejudica investigações.

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O Congresso sinaliza, assim, que políticas sólidas, científicas e eficazes para a segurança pública estão longe da agenda prioritária. Enquanto o discurso político brada a necessidade de combater a violência sexual e a impunidade para crimes violentos, a prática política enterra o avanço concreto mais importante dos últimos anos.

Criados em 2012 pela Lei 12.654, os bancos genéticos ajudam a fortalecer a instrução processual penal e a aumentar a taxa de elucidação de crimes no Brasil, que é muito baixa para casos de violência sexual, homicídios e outros tipos de crimes que dependem de investigação científica para serem solucionados.

As informações genéticas incluídas nos bancos são codificadas e não revelam traços somáticos. Até antes do retrocesso desta semana, o material colocado nos bancos era coletado de condenados por crimes violentos e hediondos (situações em que a lei determinava coleta obrigatória) ou recolhido em cenas de crimes e pertencentes a pessoas ainda desconhecidas. A ferramenta, basicamente, cruza os dois tipos de informação para obter mais elementos sobre crimes pendentes, sobretudo a autoria. Agora, o avanço e a eficiência dessa ferramenta são incertos.

Em 2018, o Brasil tinha apenas 18 mil perfis cadastrados, segundo relatórios da RIBPG. Nos anos seguintes, um mutirão do Ministério da Justiça e Segurança Pública permitiu que a criminalística brasileira levasse o número a mais de 100 mil -quantidade tímida se comparada a de democracias como EUA e Reino Unido, mas que representa um enorme avanço.

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Para aprimorar a ferramenta, em 2019 o pacote anticrime propôs ampliar o rol de coleta obrigatória de DNA para todos os condenados por crimes dolosos. O Congresso, no entanto, modificou o projeto, impedindo a ampliação e restringindo ainda mais as situações de coleta. Vedou, por exemplo, a inserção nos bancos dos dados de condenados por crimes hediondos. O Executivo, na época, vetou as alterações do Legislativo. Agora, no entanto, o próprio Executivo mudou de posição e apoiou o Congresso na derrubada dos vetos.

*A mudança legislativa também gera insegurança jurídica. O que fazer com casos solucionados justamente por meio da inserção de perfis de criminosos hediondos, como traficantes de armas e integrantes de facções, no banco de dados? Serão anulados?*

A experiência da Rede Integrada prova o sucesso que um esforço nacional de coordenação e sistematização de atividades periciais rende ao Brasil. Atualmente, operam de forma integrada, por meio da RIBPG, mais de 20 laboratórios estaduais, um distrital e o da Polícia Federal. Esse trabalho já ajudou cerca de 2 mil investigações criminais a avançarem.

Entre os casos elucidados está o da garota Rachel Genofre, violentamente morta em 2008, aos 9 anos. O dono do material genético recolhido no corpo da vítima foi localizado, em 2019, graças ao mutirão para colocar em dia a coleta obrigatória nos condenados por crimes hediondos e violentos. O responsável estava preso por outro crime e, quando seus dados foram inseridos no banco, combinaram com o DNA até então desconhecido. Esse caso exemplifica como a mudança na lei poderá prejudicar a solução de crimes.

Outros casos emblemáticos são o do assalto à Prosegur (maior da história do Paraguai, que solicitou auxílio dos peritos criminais federais brasileiros) e o do estuprador em série que fez mais de mais de 50 vítimas no Amazonas, Mato Grosso, Rondônia e Goiás.

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Muito além de apontar culpados, no entanto, os bancos de DNA também provam a inocência, como aconteceu com Israel de Oliveira Pacheco, absolvido em 2018 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) das acusações de roubo e estupro graças à prova fundada na análise de material genético.

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Causa espanto que muitos legisladores, em grande parte eleitos com a bandeira da segurança pública, pouco ou nada tenham conseguido fazer para manter os vetos e ajudar a desenvolver os bancos de perfis genéticos. Ficam prejudicados o auxílio à elucidação de crimes, a verificação de reincidências, a diminuição da impunidade e a mitigação de condenações equivocadas.

O uso do banco de perfis genéticos é uma alternativa eficaz contra a impunidade, fator que impulsiona a criminalidade em nosso país. O Brasil, infelizmente, mais uma vez retrocede quanto ao entendimento e aplicabilidade da ciência nas mais diversas áreas da nossa sociedade, em especial na segurança pública.

*Marcos Camargo, presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF)

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