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Anulação de transferência de concessões: quem paga a conta?

Por Claudio R. Pieruccetti Marques
Atualização:
Claudio R. Pieruccetti Marques. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Quando a Lei Geral de Concessões (Lei nº 8.987/95) foi editada, o legislador já estava atendo à realidade do mercado privado, autorizando, por conta disso, tanto a transferência da concessão como a do controle da sociedade exploradora do serviço concedido (art. 27).

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Após aproximadamente oito anos de vigência da lei, o Procurador Geral da República ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 2.946) justamente contra o dispositivo legal que autoriza as transferências, sob o argumento de que tais operações violariam a obrigatoriedade de licitação. Mais recentemente, o relator da ADI apresentou voto acolhendo o argumento da inconstitucionalidade do art. 27 na parte em que autoriza a transferência de concessão, bem como sugerindo a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Neste particular, o voto concedeu o prazo de dois anos para que o poder concedente realize novos procedimentos licitatórios nos casos em que for verificada a transferência da concessão para pessoa diversa daquela que se sagrou vencedora do certame original. O julgamento está suspenso no momento em razão de pedido de vista, mas tal voto já conta com a concordância de um outro Ministro.

Mesmo sem adentar na análise jurídica dos argumentos que ainda são objeto de discussão pelo Supremo Tribunal Federal, o início do julgamento, a meu ver, impõe a reflexão sobre as possíveis consequências práticas da declaração de inconstitucionalidade, ainda que parcial, do art. 27. Se não fosse por uma questão de bom senso, o é por força do art. 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que expressamente obriga essa ponderação.

Nesse sentido, o primeiro ponto que chama atenção é o fato de o art. 27 da Lei Geral de Concessões estar em vigor e produzir efeitos há aproximadamente 26 anos, mesmo que tramite, desde os idos de 2003, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no bojo da qual não foi concedida Medida Cautelar. Ou seja, com exceção do próprio ajuizamento da ADI, não havia elementos que desaconselhassem a utilização das autorizações ali previstas, o que fez com que diversas operações de transferência de concessão fossem levadas a efeito ao longo do tempo.

Este cenário de confiança em um dispositivo legal cuja constitucionalidade é presumida ainda foi reiteradamente reforçado a cada autorização para transferência concedida pelo poder concedente, nos exatos termos do que é previsto na lei. O que se quer dizer com isso é que as transferências de concessões implementadas ao longo dos 26 anos de vigência geraram para todos os envolvidos nas negociações a legítima expectativa de que tais negócios estariam cobertos pelo manto da proteção constitucional ao ato jurídico perfeito.

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Essa legítima expectativa, que o poder público reconhecidamente não pode frustrar, foi que colaborou para que investimentos vultosos fossem feitos não apenas na aquisição de concessões, mas também nos serviços concedidos. Todavia, a declaração de inconstitucionalidade, tal como proposta no voto do relator, fará com que tais investimentos possivelmente não sejam totalmente amortizados, trazendo como consequência imediata a contabilização de um prejuízo para aqueles que investiram na aquisição de uma concessão.

Mas essa não é a única e provavelmente nem a mais importante consequência do término abrupto dos contratos de concessão que passaram por transferência. Se a atual concessionária for uma empresa com capital aberto, o impacto no valor das ações também será imediato, o que afetará os investidores, inclusive pessoas físicas - um mercado cada vez mais crescente no país -, que aplicaram parte de suas economias em ações de empresas até então sólidas.

Além disso, não se pode ignorar a consequência lógica e inevitável, que será a busca pelo ressarcimento dos prejuízos em face dos respectivos poderes concedentes que autorizaram as transferências de concessões, e que terá como causa o rompimento da confiança legítima depositada em decisão administrativa que autorizou um determinado negócio.

Ainda que essa linha venha a ter sucesso e a administração pública evite o desfalque do erário para ressarcimento dos investidores, as demais consequências permanecem. Isto é, a única dúvida a sanar é sobre quem pagará a conta.

A tudo que foi dito, e na mesma linha da necessidade de se ponderar as consequências de uma decisão desse quilate, penso ser imprescindível avaliar se romper todos os contratos de concessão é, de fato, uma medida que atende ao interesse público. Será a melhor medida para a administração pública e para os usuários a troca de todos os concessionários que assumiram concessões mediante a transferência de contratos? Será que o poder público terá condições de, ao mesmo tempo, realizar estudos e preparar licitações para todas as concessões em que se verificou a transferência do contrato? Será mesmo o melhor interesse público romper contratos que envolvem concessionárias com bom desempenho?

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Nenhuma dessas perguntas tem resposta simples e, por isso, penso que uma eventual solução para a modulação de efeitos deve ser muito bem pensada e, porque não, precedida de audiência pública, nos moldes do que é previsto na Lei nº 9.868/99 e como já feito anteriormente pelo Supremo Tribunal Federal.

*Claudio R. Pieruccetti Marques é sócio do Vieira Rezende Advogados

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