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Antevendo iminente crise político-financeira, Senado aprova 'Lei do Contribuinte Legal'

Por Pedro Demartini e Augusto Bercht
Atualização:
Pedro Demartini e Augusto Bercht. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

No dia 24 de março, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei de Conversão 2/2020, convertendo a Medida Provisória 899/2019, também chamada de MP do Contribuinte Legal, em lei. Assim, a nova lei mantém válida a transação tributária instituída entre Fisco e Contribuintes, visando à renegociação de créditos tidos como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, bem como à redução de litígios.

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O Senado Federal manteve-se fiel ao texto prévio, com exceção das disposições relativas ao Bônus de Eficiência e à Produtividade dos Auditores da Receita Federal (RFB), as quais foram retiradas do texto, já que além de serem matéria estranha ao tema geral (denominado "jabuti"), não teriam grande aceitação por se tratarem de aumento de recebíveis num período de iminente crise político-financeira.

Tratando do tema central, o texto aprovado permite que a União, suas autarquias e fundações realizem transações para a cobrança de créditos tributários ou não. Poderão ser objeto de transação (i.) os créditos não judicializados sob a administração da RFB; (ii.) os créditos inscritos em dívida ativa da União, administrados pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN); e (iii.) os créditos inscritos em dívida ativa das Autarquias e Fundações Públicas, administradas tanto pela PGFN quanto pela Procuradoria-Geral da União.

De fato, o cenário atual impõe medidas menos tímidas e mais efetivas, como a possibilidade de negociação de débitos do Simples Nacional e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), além da possibilidade de transação de débitos de pequeno valor (até 60 salários mínimos), de redução proporcional de encargos legais dos débitos e de transação das multas qualificadas, também incluída no texto.

Cabe lembrar que a transação envolvendo os créditos relativos ao FGTS dependem de autorização do Conselho Curador do FGTS, já os créditos do Simples Nacional dependem de edição de lei complementar autorizativa. Tais disposições são inovações em relação ao texto original da Medida Provisória, que vedava a transação de tais débitos. Entendemos que qualquer inovação que vise à inclusão do micro e pequeno empresário é muito bem-vinda, especialmente considerando os impactos da covid-19.

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Em relação aos créditos já passíveis de transação, a lei aprovada prevê que poderão ser concedidos os seguintes benefícios: (i.) descontos nas multas, juros de mora e encargos legais em relação a créditos classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação; (ii.) prazos e formas de pagamento especiais, incluindo diferimentos e moratórias; e (iii.) substituição ou alienação de garantias e de constrições.

Os limites que o texto prevê para os acordos de transação determinam que não haverá redução do montante principal do crédito, não haverá redução de mais de 50% do valor total do crédito e o pagamento ocorrerá no período máximo de 84 meses. No caso de pessoas físicas, micro ou pequenas empresas o valor total do crédito poderá ser reduzido em 70% e o pagamento realizado em até 145 meses.

A PGFN havia editado, ainda durante a vigência da Medida Provisória 899/2019, a Portaria PGFN 11.956/2019, regulamentando as possibilidades de transação dos créditos inscritos na Dívida Ativa da União. A referida Portaria prevê duas principais formas de transação, ou por adesão a propostas elaboradas pela própria PGFN, aplicável para créditos até o valor de R$ 15.000.000 (quinze milhões), ou por proposta individual, negociada e celebrada entre o contribuinte e a PGFN, aplicável para créditos com valor superior a quinze milhões.

Aliás, a PGFN já colocou em prática a transação extraordinária a partir da publicação da Portaria 7.280/2020. Com a recente publicação da Portaria 8.457/2020, o prazo para adesão à referida transação, que era dia 25 de março, passou a ser enquanto a Medida Provisória 899/2019 estiver vigente, ou seja, ao menos até sanção ou veto do Presidente da República à lei aprovada no Senado. A lei deve ser sancionada pelo presidente da República até 15 de abril.

Importante, ainda, observar que o Projeto de Lei de Conversão aprovado também altera a Lei 10.522/2002, revogando o voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). O voto de qualidade ocorria quando havia empate nos votos dos conselheiros, situação na qual a questão era decidida pelo presidente da sessão (obrigatoriamente um conselheiro indicado pela Fazenda). Com a nova regra, em caso de empate, a matéria será decida em favor dos contribuintes.

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Tal mudança é extremamente importante para o andamento de Carf. A título de exemplo, os créditos mantidos a favor da Fazenda na Câmara Superior do Carf em 2019, por conta do voto de qualidade como critério de desempate, somaram R$ 27 bilhões, segundo a própria PGFN.

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No geral, o Projeto de Lei de Conversão aprovado trouxe importantes mudanças na relação entre o Contribuinte e o Fisco, com novos instrumentos e reformas que tendem a trazer mais equilíbrio para essa relação. Além disso, instituiu-se a premissa de que a concessão de benefícios fiscais deverá atender ao interesse público.

E justamente nesse momento delicado, com o temor de uma crise financeira decorrente da doença denominada covid-19, a aprovação do texto pelo Senado representa, imediatamente, uma importante ferramenta para aumento (ou, ao menos, manutenção) de arrecadação, bem como uma opção de saída louvável para o empresário que pretende manter suas atividades e suas contas em dia e, no longo prazo, um forte instrumento de resolução de disputas por meio de transação tributária, com o condão de redução do contencioso fiscal.

*Pedro Demartini e Augusto Bercht, advogados tributaristas do escritório Souto Correa

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