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Análise das excludentes de antijuridicidade pelo delegado de polícia garantirá Justiça mais rápida

Por Raquel Kobashi Gallinati
Atualização:
Raquel Kobashi Gallinati. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O presidente Jair Bolsonaro anunciou, no dia 25 de março de 2022, que enviará ao Congresso Nacional projeto que amplia situações que configuram excludentes de antijuridicidade, principalmente, no que se refere à legitima defesa praticada por policiais no exercício das suas funções.

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A proposta, entre outras medidas, altera o Código Penal, estabelecendo as configurações do que pode ser considerado ato de legítima defesa.

Evitar ato ou ameaça contra a ordem pública ou a segurança de pessoas feita mediante porte ou utilização ostensiva de arma de fogo pelo agressor passa a configurar legítima defesa.

O mesmo vale para ato ou ameaça com instrumento capaz de gerar morte ou lesão de natureza grave. O projeto também inclui a defesa da inviolabilidade do domicílio como um exercício regular de direito.

A iniciativa do presidente reacende a discussão sobre a possibilidade de o delegado de polícia analisar as causas excludentes de antijuridicidade durante a lavratura do auto de prisão em flagrante.

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A controvérsia surgiu porque integrantes do Poder Judiciário, interpretando equivocadamente o § 1º, do artigo 310, do Código de Processo Penal, entendem que somente os juízes podem apreciar as chamadas excludentes de antijuridicidade - estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de direito, descritas no art. 23, do Código Penal.

O entendimento errôneo defendido por alguns magistrados tem dificultado o exercício da atividade de Polícia Judiciária e causado situações absurdas e de extrema injustiça.

De acordo com a tese adotada por esses magistrados, se uma pessoa for apresentada ao plantão policial, por ter matado, em legítima defesa, criminoso que tentava estuprar sua filha ou ingressar no seu domicílio, o delegado de polícia é obrigado a autuá-la em flagrante.

Isto significa que pessoas inocentes permanecem presas na companhia de criminosos de alta periculosidade, até que o Poder Judiciário aprecie o caso. Ressalte-se que a situação descrita é ilegal e injusta, pois, sob o aspecto formal, essas pessoas não cometeram crime.

De fato, os artigos 301 e 302, do Código de Processo Penal, determinam a prisão em flagrante da pessoa que cometeu um crime.

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A doutrina define crime, sob o aspecto formal, como sendo "um fato típico e antijurídico. A culpabilidade constitui pressuposto da pena".

O fato típico é o comportamento humano, que provoca um resultado (em regra) e é previsto na lei penal como infração.

Contudo, não basta que o fato seja típico, pois é preciso que seja contrário ao direito, isto é, antijurídico. Isto porque, embora o fato seja típico, algumas vezes é considerado lícito, quando praticado, por exemplo, em legítima defesa.

Assim, o pai que surpreende e mata o criminoso estuprando sua filha ou a pessoa que reage ao crime de roubo e mata o assaltante, não cometem crime, sob o aspecto formal, porque tais condutas estão acobertadas por uma excludente de ilicitude.

Se os artigos 301 e 302, do Código de Processo Penal, determinam a prisão em flagrante somente da pessoa que cometeu um crime, consequentemente as prisões em flagrante realizadas nas situações acima descritas são ilegais, pois tais condutas não caracterizam infração penal, por falta de um dos seus principais elementos: a antijuridicidade.

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Entretanto, estas pessoas, apesar de não terem cometido delito, sob o aspecto formal, continuam sendo injustamente autuadas em flagrante, visto que alguns juízes não permitem que a autoridade policial verifique, por ocasião da lavratura do auto de prisão em flagrante, a existência de alguma causa de exclusão da antijuridicidade.

Saliente-se que o delegado de polícia, integrante das carreiras jurídicas, é a primeira autoridade a tomar conhecimento do fato e manter contato com os envolvidos na ocorrência, podendo, com base nos elementos, evitar prisões desnecessárias.

Ressalte-se, ainda, que a prerrogativa de o delegado de polícia verificar a existência de alguma causa de exclusão da antijuridicidade não causa prejuízo à Justiça Criminal, na medida em que a legalidade de tal ato será, posteriormente, analisada pelo Poder Judiciário e Ministério Público, que podem adotar providências, na esfera penal e administrativa, quando houver qualquer irregularidade.

Vale lembrar que a prisão em flagrante é composta de quatro momentos distintos, a saber: captura do autor do ilícito, no instante da infração ou logo após a sua realização; condução do autor da infração à presença da autoridade policial; lavratura do auto de prisão em flagrante; e recolhimento ao cárcere.

Na hipótese de a pessoa cometer um crime protegido por uma das causas de exclusão de antijuridicidade, ela será detida, conduzida coercitivamente até a presença da autoridade policial, que lavrará o auto de prisão em flagrante.

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Isto significa que os três primeiros momentos do flagrante acontecem (captura, condução coercitiva para a formalização da ocorrência e lavratura do auto de prisão em flagrante).

Entretanto, de acordo com a posição defendida pelo Sindicato dos delegados de Polícia do Estado de São Paulo, o último momento (recolhimento ao cárcere) é eliminado, uma vez que o delegado de polícia, convencido de que o crime foi praticado em estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular de direito, torna insubsistente o auto de prisão em flagrante e concede, fundamentadamente, liberdade provisória ao investigado.

Portanto, a interpretação correta das normas do Código de Processo Penal conduz à seguinte conclusão:

"Se a autoridade policial verificar, pelos elementos coligidos ao auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III, do caput do art. 23, do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao investigado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento obrigatório ao juízo competente, sob pena de revogação."

Tal entendimento é importante para aprimorar o sistema de justiça criminal, impedindo a prisão de pessoas inocentes, que não são criminosos, mas sim foram levadas a atitudes extremas, por serem vítimas de extrema violência.

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*Raquel Kobashi Gallinati, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp); diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol do Brasil) e vice-presidente da Federação Nacional dos Delegados de Polícia Civil (Fendepol)

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