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Amazônia: desmatamento e biopirataria

Por Antonio Baptista Gonçalves
Atualização:
Antonio Baptista Gonçalves. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Não é nova a questão do desmatamento da Amazônia, tampouco, a notícia principal difundida pelos veículos de comunicação ser o corte ilegal de árvores ou as queimadas. Todavia, o que salta aos olhos é o aumento da atividade, com direito a recorde da ação danosa ao meio ambiente, entre janeiro e abril de 2020, foram devastados 1.202 quilômetros quadrados de floresta, o que representa um aumento de 55% em relação ao mesmo período do ano anterior, segundo o Instituto Brasileiro de Pesquisas Espaciais - INPE. Ademais, é o número mais alto para o período desde 2015. Somente em junho foram derrubados 1.034,4 km2. No Maranhão 80% da floresta já deixou de existir, seja por conta de queimadas, desmatamento ilegal e, até, da violência contra povos indígenas.

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A imagem internacional do Brasil, que já claudica por conta dos números relacionados a pandemia do COVID-19, tem mais um abalo com as notícias consecutivas da falta de fiscalização, cuidado e zelo para com nosso principal bioma, além de enfrentar pedidos de investigações no Tribunal Penal Internacional por conta da grave situação dos indígenas e dos supostos crimes contra a humanidade e atos que levam ao genocídio de comunidades indígenas e tradicionais. Ainda que nosso entendimento seja que nenhuma das denúncias envolvendo genocídio irá prosperar na Corte é inegável que a reputação brasileira está em baixa.

A extração para o comércio ilegal de madeira é uma atividade lucrativa e atinge principalmente a tríplice fronteira entre Acre, Rondônia e Sul do Amazonas. Em geral após o corte ilegal vem a ação dos grileiros, isto é, grupos que fazem a abertura de áreas pecuárias nos locais devastados e amealham erário através da devastação sem preservação. Em contrariedade ao que prevê o Código Florestal em seu artigo 12, I, a:

Art. 12. Todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente, observados os seguintes percentuais mínimos em relação à área do imóvel, excetuados os casos previstos no art. 68 desta Lei:

I - localizado na Amazônia Legal:

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  1. a) 80% (oitenta por cento), no imóvel situado em área de florestas.

De tal sorte que os grileiros desrespeitam a norma e agridem a floresta para que o agronegócio possa prosperar, contudo, uma atividade pode substituir a outra? O lucro não sopesa o impacto ambiental e não considera a degradação da maior floresta tropical do planeta.

A área da Amazônia tem em torno de 7 milhões de km2, sendo que 5.5 milhões de km2 estão no Brasil. Assim, a Amazônia não é exclusiva do Brasil e sua área está presente também na Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela e o tema resultou no Tratado de Cooperação Amazônica, presente em nosso ordenamento através do Decreto n° 85.050, de 28 de agosto de 1980. Todavia, não se nota medidas de cooperação entre os países para a proteção da região.

A realidade é que não há cooperação entre os países, o investimento na proteção ambiental diminuiu, o agronegócio aumentou, mas o governo considera que há desinformação sobre a real situação na Amazônia. Refletimos sobre o tema.

Há controle e fiscalização por parte das autoridades brasileiras, porém, sem a devida valorização do INPE e uma ação conjunta das autoridades com um serviço preventivo de inteligência, no qual se busca não apenas aquele que faz o desmatamento, como também, quem é o responsável pelo lucro da atividade, o real investidor do crime ambiental, os resultados são diminutos ante ao dano causado e as multas não reparam a depredação ambiental.

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Com a ausência de aplicação da Lei dos Crimes Ambientais com responsabilizações severas, com penalidades efetivas e busca pelos investidores das atividades ilícitas, através de um trabalho investigativo adequado, a repressão é insuficiente. O Governo Federal não priorizou esse tipo de ação e ainda reduziu os investimentos nos órgãos de controle como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais.

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A Amazônia não enfrenta dificuldades apenas com as queimadas e o desmatamento, o que já ensejaria preocupação suficiente, não obstante, devemos acrescer a ação da biopirataria e a busca dos proveitos através de novos artigos para a indústria farmacológica e a possibilidade de patentear artigos que são nativos e desconhecidos. Foi assim que o Brasil entrou em disputas internacionais sobre produtos derivados de frutos brasileiros como o açaí (patenteado por dois alemães) e o cupuaçu (patenteado pelo Japão), apenas para citar alguns exemplos. Algumas patentes foram revertidas, muitas não. Além disso há infiltração constante de estrangeiros nas comunidades indígenas para aprender sobre a cultura e levar produtos para seus países com o objetivo de lucro. Fora o contrabando ilegal de fauna e flora. A biopirataria circula com baixa repressão e muitas perdas para o país.

O Estado Democrático de Direito Brasileiro deve fazer cumprir sua própria legislação sobre crimes ambientais que prevê responsabilidade nos artigos 2°, 3° e 4° com possibilidade de responsabilidade penal para as pessoas jurídicas e desconsideração da personalidade jurídica das mesmas. Com penas que podem variar de multa a interdição, suspensão parcial ou total de atividades, medidas que podem ser tomadas isoladas ou cumulativamente.

O Estado Democrático de Direito brasileiro não tem o direito de justificar os danos ambientais pelo progresso e avanço da economia. A prosperidade não significa depredar, destruir o meio ambiente, bem jurídico protegido por nossa Constituição Federal e base para o futuro das futuras gerações. O que se deve fazer é o crescimento responsável, com respeito a preservação ambiental e a aplicação de legislação concernente para impingir responsabilidades àqueles que comentem crimes ambientais. O real progresso é investir em educação, fiscalização e na aplicação das leis existentes para a harmonia das relações, a defesa da sociedade brasileira e o futuro de nossas crianças.

*Antonio Baptista Gonçalves é advogado, pós-doutor, doutor e mestre pela PUC/SP, presidente da Comissão de Criminologia e Vitimologia da OABSP - subseção do Butantã

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