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Bolsonaro diz que Salles é 'excepcional'; ministro é suspeito de corrupção

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Por André Borges/BRASÍLIA
Atualização:
O ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e o presidente Jair Bolsonaro. Foto: Marcos Corrêa/PR

Após um dia de silêncio, o presidente Jair Bolsonaro saiu em defesa do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sob suspeita de participar de esquema de corrupção ligado à exportação ilegal de madeira. Bolsonaro disse em sua live semanal nesta quinta-feira, 20, que Salles é um "excepcional ministro" que enfrenta "dificuldades com setores aparelhados do Ministério Público", que ele classificou como "xiitas ambientais". O MP não participou da investigação.

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Alvo central da Operação Akuanduba, Salles conta com a blindagem não apenas de Bolsonaro e seus filhos, mas de empresários e do agronegócio. Sua permanência no cargo, no entanto, é questionada reservadamente pela ala militar do governo com gabinete dentro do Planalto. Um dos nomes cotados para substituí-lo é o do advogado Antônio Claret Júnior, diretor-geral na Agência Reguladora de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário de MG.

O Estadão teve acesso a uma nota técnica do Ibama elaborada em agosto do ano passado, que traça um panorama nacional envolvendo o uso do Documento de Origem Florestal (DOF) em exportações. Esse documento é aquele que, desde fevereiro do ano passado, passou a ser o único utilizado pelas madeireiras para vender produtos a outros países, a partir de uma mudança nas regras publicada pelo presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim. A alteração acabou com a necessidade de emitir uma autorização específica de exportação. Desde ontem, porém, por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, a autorização de exportação voltou a ser exigida das empresas.

O levantamento do Ibama, que reúne dados oficiais registrados Ibama entre 2007 e agosto de 2019, mostra que as duas empresas apontadas pela PF como aquelas que atuaram para liberar madeira apreendida nos Estados - a Ebata Produtos Florestais e a Tradelink Madeiras - estão entre as sete mais atuantes do Brasil.

Nos treze anos analisados, a Ebata realizou nada menos que 5.484 transações de exportação de madeira, o que faz da empresa a quarta mais ativa no ranking nacional. No mesmo período, a Tradelink fez 4.781 transações de exportação. Os dados históricos apontam que a madeireira que mais atua com exportações é a Mil Madeiras Preciosas, localizada em Itacoatiara, no Estado do Amazonas, com 12.705 transações entre 2007 e 2019. Esses dados referem-se a operações formais, ou seja, aquelas que foram devidamente informadas ao Ibama.

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O mapeamento revela ainda que há uma forte concentração das exportações em poucas empresas do setor. O número total de madeireiras que realizaram alguma operação com outro país no período analisado chegou a 895 empresas. Deste total, porém, apenas 50 madeireiras foram responsáveis por quase metade de todas as transações históricas.

 Foto: Reprodução

Como mostrou o Estadão, os sócios da Tradelink Madeiras, David Pereira Serfaty e o inglês Leon Robert Weich administram uma empresa que já se envolveu em problemas com a Justiça brasileira. Venda de madeira ilegal, falsificação de informações ambientais e exploração de trabalho escravo são alguns delas. As autuações à empresa, apontada como beneficiada por decisões do Ibama e do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, ultrapassam R$ 7 milhões, segundo a Polícia Federal.

A reportagem entrou em contato com a empresa. De acordo com informação da Tradelink, Leon Robert Weich é desconhecido ali, na unidade de Ananindeua, apesar de ter seu nome listado na relação societária. David Pereira Serfaty não foi localizado.

Em ofício encaminhado pela Embaixada dos Estados Unidos à PF, o adido americano, Bryan Landry relatou irregularidades encontradas no caso de importação feita pela empresa Tradelink Madeiras, que tem sua base no município de Ananindeua, no Pará, com destino à sua representação Tradelink Wood Products Inc, sediada em Carolina do Norte (EUA).

Bryan Landry conta que, em 10 de janeiro de 2020, o Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos (FWS), órgão de controle ambiental americano e que atua como o Ibama no Brasil, deteve para inspeção três contêineres de madeira exportados do Brasil. O material seguiria para o Porto de Savannah, na Geórgia. Durante a fiscalização, os americanos notaram que o material não detinha a documentação prevista que era dada pelo Ibama. Por isso, pediu confirmação ao órgão brasileiro.

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Uma semana depois, o FWS recebeu uma carta do Ibama em Belém, com dados sobre o material detido e outros quatro contêineres, os quais somavam 153 mil metros cúbicos (m³) de madeira de Ipê e Jatobá. A resposta comprovava que as cargas não tinham sido analisadas pelo setor competente, que informações falsas foram inseridas no sistema oficial de controle e que a empresa exportava a madeira sem a manifestação ou autorização prévia pelo Ibama.

 

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O caso chegou a ser objeto de uma infração de violação pelo Ibama em 24 de janeiro, violando as próprias leis brasileiras, além da Lei Lacey, dos EUA, que trata do assunto. O importado Tradelink USA também foi notificado da detenção do material.

No dia 5 de fevereiro de 2020, o órgão americano recebeu diversas "certidões" do Ibama em Belém, na tentativa de liberar o material. "Apesar da determinação anterior de ilegalidade e notificação de violação por funcionários do mesmo escritório do Ibama, as cartas de 'Certidão' legitimavam os envios e defendiam sua libertação da detenção nos Estados Unidos", relatou Bryan Landry.

Após troca de informações com a base da Tradelink nos Estados Unidos, a companhia admitiu que acreditava que os embarques de madeira detidos eram originários de várias serrarias de diferentes regiões do Brasil, e não de uma serraria só, como declarado.

Finalmente, no dia 21 de fevereiro, o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, entrou em cena. Em uma reunião com Bryan Landry e representantes da Embaixada dos EUA em Brasília, Bim falou sobre interpretações de várias instruções normativas do Ibama sobre o assunto e prometeu uma decisão nos próximos dias. Quatro dias depois, o FWS recebeu uma cópia do "despacho interpretativo" de Bim, a qual concluía que a autorização de exportação não era mais necessária, mas apenas o Documento de Origem Florestal (DOF).

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