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Alvo da PF por suposto golpe na Saúde, empresário diz ser vítima e insiste que tem milhões de vacinas

Principal alvo da operação Taipan, Faria teve aparelhos e documentos de sua empresa, a Biomedic Distribuidora, com sede em Vila Velha (ES), apreendidos na quinta-feira, 25

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Por Mateus Vargas/BRASÍLIA
Atualização:

Atualizada às 8h30 de 03.09*

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Investigado pela Polícia Federal por usar documentos falsos para tentar vender vacinas contra a covid-19 para o Ministério da Saúde, o empresário Christian Faria disse ao Estadão que foi vítima de um golpe e insistiu que tem, sim, imunizantes para negociar, mas não apresentou qualquer garantia. O empresário negou ser um estelionatário e disse que há quatro meses busca, pela internet, fornecedores de vacinas para a pasta, mesmo sem nunca ter feito uma importação do tipo.

Segundo Faria, durante essa empreitada ele já foi enganado por uma empresa alemã e entrou em outra negociação que o colocou diante da cúpula da Saúde, mas não deu certo. Segundo a pasta, nesta reunião os documentos falsos foram entregues. Agora, ele garantiu ter um parceiro comercial confiável, que ele não revela o nome.

O empresário Christian Faria. Foto: Reprodução/redes sociais

Desafiando o disputado mercado global de vacinas e sem aval das fabricantes, ele afirmou que tem 200 milhões de doses para ofertar ao ministério -- parte da Janssen e o restante da AstraZeneca. Os papéis, na versão de Faria, estão todos arquivados em computador e celular que foram apreendidos durante a ação da PF, na quinta-feira, 25.

Principal alvo da operação Taipan, Faria teve aparelhos e documentos de sua empresa, a Biomedic Distribuidora, com sede em Vila Velha (ES), apreendidos na quinta-feira, 25. A ação partiu de uma denúncia do Ministério da Saúde, que disse ter recebido do empresário credenciais e ofícios forjados da AstraZeneca em negociação de mais de 200 milhões de doses.

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A PF também encontrou centenas de frascos que seriam de imunizantes. A corporação considera o caso uma tentativa de estelionato, que não deu certo. Faria afirma que as carcaças das doses eram de "uma antiga dona" da empresa. Ele negou que a ideia era usá-las para vender doses falsas, mas não detalhou a função dos frascos.

A polícia afirma que desde janeiro Faria faz contatos por e-mail ao ministério. O empresário chegou a trocar mensagens com representantes da cúpula da pasta e agendou uma reunião para o dia 23 de fevereiro. Antes de recebê-lo, o secretário-executivo da Saúde, Elcio Franco, procurou a AstraZeneca e confirmou que a proposta não existia. Na reunião, Faria e outro empresário apresentaram os papéis falsos, o que motivou a denúncia à PF.

As principais farmacêuticas têm dito que só negociam vacinas para covid-19 com governos centrais. Presidente da Pfizer no Brasil, Marta Díez disse ao Estadão nesta semana que não há doses a prefeitos, governadores e iniciativa privada. O Estadão revelou, que centenas de prefeitos tem negociado a compra de doses da Sputnik V, AstraZeneca e outras vacinas, por meio de intermediários não credenciados pelas produtoras. As ofertas, muitas vezes, são por preços mais baixos do que o ministério têm pago, mas não há qualquer garantia da entrega das doses ou de que o produto que chegará ao Brasil é autêntico. Nesta semana, a revista piauí revelou que empresários fizeram em Minas Gerais fizeram uma aplicação clandestina supostamente da vacina da Pfizer.

Os volumes ofertados por Faria, sem garantia de entrega, destoam de grandes compras feitas pelo Ministério da Saúde. O governo federal, por exemplo, conseguiu comprar 38 milhões de doses da Janssen, que devem começar a chegar somente em agosto. "NENHUMA PESSOA FÍSICA OU EMPRESA está autorizada a negociar em nome da Janssen nossa vacina candidata contra a COVID-19 com nenhum ente público ou privado, seja direta ou indiretamente. Fique atento!", disse a Janssen em nota.

Faria dá uma versão diferente à da PF, mas diz não se lembrar das datas em que fez contatos e reunião com o ministério. "Eu não ia trazer documento falso onde só tem general e coronel", disse Faria. "Eles (do ministério) me acusaram sem me ouvir. Foi muita sacanagem", completou, dizendo que ficou "muito, muito, muito" frustrado com a denúncia do Ministério da Saúde. "Pode escrever isso 1 milhão de vezes."

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O empresário afirma que levou um golpe de uma firma alemã, em janeiro, que prometia de 300 milhões a 400 milhões de doses de vacinas da AstraZeneca, mas apresentou credenciais falsas para fingir exclusividade da venda no País. Faria disse que, antes de descobrir a fraude, repassou os papéis ao ministério, o que desencadeou a investigação da PF.

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No encontro com o ministério, Faria afirma que foi acompanhado de "Diego", um empresário que ele diz não se lembrar do sobrenome. Eles se conheceram no mesmo dia, segundo Faria. Diante da cúpula da Saúde, Diego teria mostrado apenas e-mails que seriam um aval da AstraZeneca para a venda, o que não convenceu o ministério. Esta proposta era de 32 milhões de doses, segundo Faria, que diz jamais ter discutido preços com o ministério. O empresário afirma que ficou surpreso com os e-mails: "Eu também falei isso, que estava errado. Não tem condições de negociar isso aqui", disse.

Questionado sobre a afirmação da AstraZeneca e Janssen de que não há chance de a venda ser feita por intermediários, Faria reagiu: "Mentira. Quem comprou a Janssen ao governo federal?". Ao ser informado pelo Estadão que a própria filial da farmacêutica no Brasil negociou as doses, ele disse: "Passou por um empresário. Esse cara me ligou para me esnobar que tinha conseguido fazer a venda ao Ministério da Saúde."

Faria afirma que as provas sobre o suposto golpe que levou, além das garantias de que tem doses para entregar, estão em seus equipamentos apreendidos. Questionado sobre como conseguirá trazer as doses num cenário de escassez e sem nunca ter feito uma operação do tipo, ele se gaba: "Isso aí é amizade. Quem me indicou (a compra), a pessoa, dessa vez, é uma pessoa correta. Compradora antiga". "Não deu certo (a venda ao governo) porque só tentei uma vez", disse.

A Biomedic tem capital social de R$ 220 mil. Faria também atua com a locação de equipamentos para eventos. Em sua página nas redes sociais, identificada como "Trio Elétrico Privilege", ele avisa desde janeiro a "hospitais, prefeitos e governadores" que tem contato com um "grupo de empresários" e promete entregar vacinas para covid-19 em 5 dias, com pagamento somente ao receber a carga. "Venda somente em grandes quantidades", afirma uma publicação de Farias.

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Arquivamento

Quatro meses após a deflagração da Operação Taipan, no final de julho, o Ministério Público Federal se manifestou pelo arquivamento das investigações. Após analisar diálogos entre os investigados, a Procuradoria entendeu que não foi comprovada a hipótese de crime de associação criminosa, uma vez que não foi demonstrada a 'existência de um liame subjetivo entre os agentes ou um desígnio comum no sentido de se obter vantagem indevida em detrimento do governo federal'.

Já com relação ao crime de falsidade de documento particular supostamente praticado por Christian, o MPF considerou que, apesar dos indícios e da falsidade do documento, não foi possível comprovar a ciência de Christian de que o documento era falso. "Ao que tudo indica, ele apresentou o documento acreditando em sua veracidade", registra o parecer da Procuradoria.

O documento indica que a investigação não colheu elementos que indiquem que Christian tenha concorrido para a falsificação documental. Além disso, aponta que não foram localizadas doses de vacina em nenhum dos endereços que foram alvo de busca na Operação Taipan.

"Não se observou dolo na conduta de Christian Pinto Faria de apresentar documento particular, materialmente falso, ao Ministério da Saúde. Se de um lado o documento apresentado que supostamente conferia exclusividade à empresa Biomedic Distribuidora de Produtos Médicos e Hospitalares Ltda para vender as doses da vacina AZD 1222, no Brasil, era falso, pois a própria AstraZeneca negou qualquer vínculo contratual com a Biomedic ou, até mesmo, com a empresa Gb Trading EU. De outro lado, ao que tudo indica, possivelmente, Christian Pinto Faria foi vítima de golpe, como apontou o relatório policial", registrou o MPF.

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Segundo a Procuradoria, a possível fraude contra particulares não é de competência da Justiça Federal e assim não restaria nenhum crime do interesse da União a ser apurado nos autos. "Após detalhada investigação, não foram identificados elementos que indiquem a prática de nenhum delito contra o Governo Federal por parte de Christian Pinto Faria e Diego Gonçalves Pereira", diz o documento.

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