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Alta tensão: a missão nada fácil de ir do fóssil ao elétrico

Por Luiz Augusto Ferreira Magalhães e Mathias Schneid Tessmann
Atualização:
Luiz Augusto Ferreira Magalhães e Mathias Schneid Tessmann. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Hoje, conseguimos produzir apenas milho, nossa atmosfera possui cada vez menos oxigênio e quanto ao planeta, nossa intenção não é salvá-lo, é deixá-lo. Foram as palavras do Doutor Brand no filme Interestelar de 2014 ao explicar a situação do planeta para Cooper, um piloto cientista convocado para a missão intergalática de descobrir um novo lar para a raça humana. Filmes e estórias de realidades alternativas (ou talvez nem tanto) no qual o planeta Terra se tornou um lugar inóspito devido à intensa e supostamente inconsequente atividade antrópica têm sido bastante usados como arquétipos da questão ambiental que aflige nosso tempo. A pergunta é: como resolvê-lo?

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Considerando que se trata de um problema bastante complexo, com muitas variáveis e múltiplas disciplinas, vamos discutir apenas um caso bastante específico: o dilema dos combustíveis fósseis.

A crescente preocupação da sociedade com questões ambientais nos últimos trinta anos fez com que buscássemos estratégias para a substituição dos combustíveis fósseis na nossa matriz energética. Isso se dá, pois, a utilização do petróleo, do carvão mineral e do gás natural são os maiores responsáveis pela emissão de gás carbônico tão prejudicial ao meio ambiente. Então, de acordo com o senso comum, bastaria que trocássemos nossos carros, ônibus e aviões para que funcionássem a partir de energia elétrica.

Mas será que isso é tão simples? Não haveriam consequências secundárias da maior utilização de energia elétrica?

Para isso, precisamos entender de onde vem a energia que consumimos no dia-a-dia. A matriz energética mundial é composta por cerca de 81% de fontes não renováveis (carvão, petróleo e derivados, e gás natural), enquanto que a brasileira é constituída por cerca de 55%. Em termos especificamente de geração de energia elétrica no mundo, as principais fontes são carvão (38%), gás natural (23%), hidráulica (16%) e nuclear (10%), enquanto que no Brasil são hidráulica (65%), gás natural (10%), biomassa (8%) e solar e eólica (6%).

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Cada uma dessas fontes de energia possui suas vantagens e desvantagens em termos ambientais. Enquanto que as fontes não renováveis de energia possuem o principal malefício de emissão de gás carbônico, as fontes de energia hidráulicas possuem a desvantagem da necessidade de inundar grandes áreas ocasionando a perda de vegetação e biodiversidade terrestre, e interferindo no fluxo de rios. Portanto, mensurar apropriadamente os impactos ambientais de cada uma é um desafio hercúleo por si mesmo, mas vamos nos restringir ao exercício mental anteriormente proposto.

Assim, ao imaginarmos uma troca dos carros atuais por uma frota de carros elétricos em todo o mundo, presenciaríamos um aumento substancial no consumo de energia elétrica. Esse maior consumo de energia elétrica por conta do aumento da frota de veículos elétricos demandaria uma maior utilização das fontes de energia necessárias para sua produção (sobretudo de combustíveis fósseis), possivelmente gerando ainda maior emissão de gás carbônico. No entanto, o problema não termina aí. Precisamos endereçar também outras consequências da adoção da nova tecnologia.

Consequências secundárias envolvendo substituição das fontes de energia ocorreram no início dos anos 2000, na qual, a principal política federal norte-americana de suporte à expansão do uso de biodiesel e de outros combustíveis renováveis (chamada Padrão de Combustível Renovável, RFS na sigla em inglês) fomentava a utilização de grãos na produção de biocombustíveis. Tais biocombustiveis eram o bioetanol advindo do milho e o biodiesel advindo da soja. Com o aumento da lucratividade por parte dos produtores de biocombustíveis, parte expressiva da produção de milho (soja também, mas em menor escala) passou a ser destinada para fins energéticos, deixando de ser usada para alimentação de animais.

Consequantemente isso acarretou um aumento generalizado no custo dos alimentos no mundo inteiro, visto que os Estados Unidos são os maiores produtores desses grãos e os mesmos são utilizados como matéria prima na cesta alimentar das pessoas e como alimentos para os rebanhos.

Este aumento nos preços devido à geração dos biocombustíveis é apontado pela literatura científica como um dos propulsores da chamada crise dos alimentos, que teve seu pico em 2007, fazendo com que milhares de pessoas no mundo inteiro migrassem da linha da pobreza para a linha de miséria e viesse à tona novamente discussões sobre a segurança alimentar dos países.

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Vemos então como um problema aparentemente direto e de fácil enunciação transborda para outras facetas das vidas econômica e ambiental, tornando-se um verdadeiro emaranhado de consequências geralmente não previstas por formuladores de políticas menos cuidadosos. Deste modo, ao mesmo tempo em que é necessário lidar com a questão ambiental, trata-se de uma missão nada simples.

*Luiz Augusto Ferreira Magalhães, doutorando em Economia de Empresas pela Universidade Católica de Brasília e pesquisador visitante no Instituto de Pesquisa Economia Aplicada

*Mathias Schneid Tessmann, assessor acadêmico, pesquisador e professor no IDP. Doutorando em Economia de Empresas com ênfase em Finanças pela Universidade Católica de Brasília

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