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Ajuste fiscal oblíquo

No contexto da atual crise fiscal, uma das alternativas para mitigar o déficit público é maximizar a arrecadação tributária. Nesse sentido, medidas arrecadatórias como o possível retorno da CPMF e o aumento de alíquotas de IRPF sobre ganhos de capital são aventadas pelo Poder Público.

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Por Dalton Hirata e Daniel Zugman
Atualização:

Tais medidas costumam ser amplamente noticiadas, vez que dependem de modificações legislativas para vigorar. Ocorre que sua aprovação costuma demandar intensa negociação e impor desgastes ao governo. Algo, porém, que chama menos a atenção do público e independe de articulações políticas consiste na alteração de interpretações de regras tributárias que, coincidência ou não, implica maior arrecadação tributária.

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A Receita Federal do Brasil (RFB), por exemplo, nas Consultas 43/15 e 50/16, entendeu que, respectivamente, a CIDE e o PIS/COFINS-Importação são devidos sobre reembolsos de custos remetidos por empresa brasileira a empresa do mesmo grupo econômico no exterior, quando há um contrato para ratear os custos de atividades administrativas. Esse tipo de contrato é recorrente e sua cobrança está limitada aos custos da atividade desenvolvida.

Nesses casos, a RFB concluiu que os tributos eram devidos por haver remuneração por "serviços técnicos ou assistência administrativa", sendo irrelevante que o pagamento fosse efetuado em decorrência de contrato de rateio de despesas.

Contudo, no passado, a própria RFB entendeu que as atividades prestadas em contrato de rateio de despesas não caracterizariam prestação de serviços. É o caso da Consulta 8/12, na qual a RFB concluiu que os reembolsos não estariam sujeitos às regras de preços de transferência ou à incidência de IRRF, as quais só são aplicáveis no contexto de remuneração por serviços. Esse mesmo entendimento já embasou outras consultas nas quais a RFB orientou o contribuinte a reportar ao SISCOSERV (sistema da RFB em que devem ser informadas as transações de compra e venda com pessoas - físicas ou jurídicas - no exterior) os pagamentos de reembolsos ao exterior sob contrato de rateio em virtude da ocorrência de variação patrimonial na parte brasileira, e não por prestação de serviço.

Há, portanto, clara contradição entre as Consultas relativas aos contratos de rateios de despesas.

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Mas essa postura não é exclusividade dos entes federais. Em março deste ano, a Secretaria de Finanças do Município de São Paulo emitiu o Parecer 1/16, no qual estabelece que o ISS é devido sobre veiculação de material publicitário. Há, aqui também, clara mudança de entendimento, vez que, no passado, a SF havia entendido em diversas oportunidades que essa atividade não poderia ser tributada como, por exemplo, nas Consultas 4/13 e 13/13.

Há, ainda, outros exemplos de mudança de entendimento de toda ordem nas várias esferas federativas que têm gerado agravamento da carga tributária sem a efetiva alteração da legislação em vigor.

Em tempos em que se discute a transparência de informações financeiras e o combate a planejamentos tributários agressivos, espera-se que o Fisco dê exemplo de transparência no trato da matéria tributária, adotando posições que não oscilem conforme a situação das contas públicas e que confiram segurança aos contribuintes para organizar seus negócios.

Os exemplos acima demonstram que a alteração de interpretações com intuito aparentemente arrecadatório pode não estar ocorrendo de forma eventual. Dado o contexto político avesso ao aumento formal de tributos, uma hipótese plausível é que se observe mais intensamente a alteração de interpretações consolidadas que possibilitem aumento de arrecadação.

Recomenda-se atenção às diversas manifestações das autoridades fiscais a fim de que eventuais interpretações desarrazoadas possam ser contestadas no foro apropriado.

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* Dalton Hirata e Daniel Zugman são associados do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados e mestres em direito e desenvolvimento pela Fundação Getulio Vargas/SP.

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