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AGU contradiz Bolsonaro e informa que presidente citou "PF" e "família" em reunião

A decisão final sobre o levantamento de sigilo da reunião ministerial será do relator do caso, ministro Celso de Mello.

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Por Rafael Moraes Moura/ BRASÍLIA e Pepita Ortega/ SÃO PAULO
Atualização:

O presidente Jair Bolsonaro fala com a imprensa no Palácio da Alvorada. Foto: Gabriela Biló/Estadão

O presidente Jair Bolsonaro mencionou as palavras "família" e "PF" em reunião ministerial ocorrida no mês passado no Palácio do Planalto. É o que informou ao Supremo Tribunal Federal (STF) a Advocacia-Geral da União (AGU), em manifestação encaminhada na noite desta quinta-feira à Corte. Bolsonaro havia afirmado à imprensa que não havia menção à família nem à Polícia Federal no encontro.

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"Não existe no vídeo a palavra Polícia Federal e nem superintendente. Não existem as palavras superintendente e nem Polícia Federal", disse o presidente na última terça-feira. "Não tem investigação. Não tem família. Não tem palavra investigação."

Na última quarta-feira, Bolsonaro disse que o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, "se equivocou"ao confirmar em depoimento que houve a menção à instituição. "Ramos se equivocou. Mas como é reunião, eu tenho o vídeo. O Ramos, se ele falou isso, se equivocou", contestou o presidente na ocasião.

A AGU pediu ao Supremo o levantamento do sigilo apenas das declarações do presidente na reunião, que estão sendo investigadas em inquérito. A decisão final será do relator do caso, ministro Celso de Mello. Segundo o Estadão apurou, o procurador-geral da República, Augusto Aras, deve enviar ainda nesta noite um parecer ao STF, em que pede a divulgação parcial do vídeo da reunião, que tem duas horas de duração.

O ex-ministro Sérgio Moro alega que a reunião expõe a tentativa do presidente da República de interferir na PF, o que está sendo alvo de apuração no inquérito.

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A manifestação da AGU traz a transcrição de trechos da fala de Bolsonaro na reunião. Segundo relatos de pessoas que assistiram ao vídeo, o presidente chamou a superintendência da Polícia Federal no Rio de "segurança no Rio". Bolsonaro alega, por outro lado, que se referia à sua segurança pessoal, que é feita pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

"Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. isso acabou. Eu não vou esperar f. minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura. Vai trocar; se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o Ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira", afirmou o presidente na ocasião, conforme transcrição da AGU.

Durante a reunião ministerial, o presidente disse aos auxiliares que não pode ser "surpreendido com notícias".

"Pô, eu tenho a PF que não me dá informações; eu tenho as inteligências das Forças Armadas que não têm informações; a ABIN tem os seus problemas, tem algumas informações, só não tem mais porque tá faltando realmente... temos problemas... aparelhamento, etc. A gente não pode viver sem informação", disse Bolsonaro.

"Quem é que nunca "ficou atrás da... da... da... porta ouvindo o que o seu filho ou a sua filha tá comentando? Tem que ver pra depois... depois que ela engravida não adianta falar com ela mais. Tem que ver antes. Depois que o moleque encheu os cornos de droga, não adianta mais falar com ele: já era. E informação é assim. [referências a Nações amigas] Então essa é a preocupação que temos que ter: "a questão estratégia". E não estamos tendo. E me desculpe o serviço de informação nosso -- todos --- é uma vergonha, uma vergonha, que eu não sou informado, e não dá para trabalhar assim, fica difícil. Por isso, vou interferir. Ponto final. Não é ameaça, não e' extrapolação da minha parte. É uma verdade", afirmou Bolsonaro.

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De acordo com a AGU, essas duas declarações presidenciais relevantes para o inquérito "não estão no mesmo contexto, muitíssimo pelo contrário: estão elas temporal e radicalmente afastadas na própria sequência cronológica da reunião".

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Além de Jair Bolsonaro, na reunião ministerial também se pronunciam Moro, o presidente do BNDES, Gustavo Montezano; os ministros da Saúde, Nelson Teich; da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas; das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves; o ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio; e o ministro da Educação Abraham Weintraub.

"Insista-se: todos eles discorrem sobre assuntos os mais diversos, inclusive sobre políticas públicas em cogitação, seja como for, assuntos absolutamente estranhos ao objeto do presente Inquérito, e alguns bastante sensíveis, aí incluídas análises e opiniões, pela ordem, da Autoridade Monetária e do Ministro das Relações Exteriores", alega a AGU.

Repercussão. O advogado de Sérgio Moro, Rodrigo Rios, se disse "surpreendido" com a manifestação da AGU.  Segundo a defesa do ex-ministro, a transcrição parcial "revela disparidade de armas, pois demonstra que a AGU tem acesso ao vídeo, enquanto a defesa não tem".

"A petição contém transcrições literais de trechos das declarações do Presidente, mas com omissão do contexto e de trechos relevantes para a adequada compreensão, inclusive na parte da "segurança do RJ", o trecho imediatamente precedente. De todo modo, mesmo o trecho literal, comparado com os fatos posteriores - demissão do Diretor Geral da PF, troca do Superintendente da PF e exoneração do MJSP - confirma que as referências diziam respeito à PF e não ao GSI. A transcrição parcial que busca apenas reforçar a tese da defesa do Presidente reforça a necessidade urgente de liberação da integralidade do vídeo", afirma a defesa de Moro.

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Na última quarta-feira, a defesa de Moro pediu a Celso de Mello a divulgação da íntegra do vídeo da reunião ou ao menos que, "sejam publicizadas todas as falas do presidente durante tal reunião". Segundo os advogados de Moro, por se tratar de um ato oficial do governo, a divulgação integral do conteúdo caracterizará "verdadeira lição cívica".

Vídeo. O registro da reunião foi exibido nesta terça, a um restrito grupo de pessoas autorizadas pelo ministro Celso de Mello. A exibição foi realizada no Instituto Nacional de Criminalística da corporação em Brasília, 'em ato único' - conforme determinado por Celso - com participação de Moro, integrantes da Advocacia-Geral da União, procuradores e investigadores que acompanham o caso.

O vídeo tem cerca de duas horas e todos que acompanharam a exibição tiveram que ficar sem o celular durante a sessão.

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