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Ágio: uma breve análise sobre a jurisprudência do Carf ao longo dos anos

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Por Raquel Novais e Fernanda Baracuí
Atualização:
Raquel Novais e Fernanda Baracuí. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A dedutibilidade de despesas com amortização de ágio da base de cálculo do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social (CSLL) vem sendo discutida nas últimas duas décadas  no âmbito  do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

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Uma breve análise dos precedentes recentes permite afirmar que, apesar da maturidade da discussão, a jurisprudência ainda não está consolidada quanto à definição dos limites da reestruturação    societária considerada válida para fins de dedutibilidade do ágio.

Nota-se, no desenvolvimento do tema que o histórico da jurisprudência se desenrola em três fases distintas, cujos resultados foram definidos conforme os critérios de julgamento adotados em cada momento.

A primeira fase  ocorreu entre os anos 2000 e início de 2015. Nesse período, ocorreu a transição do Conselho de Contribuintes para o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, atual Carf, criado em 2008. Nessa primeira fase, o critério de validação adotado pela corte administrativa assentava-se em três requisitos: operações de ágio formadas em aquisições entre partes não relacionadas; o chamado "sacrifício econômico" - como veio a ser cunhada pela corte a onerosidade com pagamento em dinheiro; e a presença de laudo que suportasse a rentabilidade futura da participação adquirida.

Nesta etapa, portanto, valorizou-se, essencialmente, a presença de uma operação entre partes não relacionadas, ainda que seguida de reestruturações internas. Além disso, condenou com a pena da indedutibilidade as operações cunhadas como "ágio interno", ou seja, o ágio formado em aquisições de participação societária sem a presença de partes independentes. Os precedentes existentes à época foram proferidos por turmas ordinárias, pois a Câmara Superior de Recursos Fiscais ainda não havia analisado o tema.

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Com a retomada das sessões de julgamento no fim de 2015, após a suspensão das sessões do órgão por quase um ano, iniciou-se a segunda fase de análise dos casos de ágio no Carf. As turmas ordinárias e a 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, em composições significativamente alteradas, passaram a revisar a jurisprudência anterior do C e os critérios de validação das operações aptas a possibilitar a dedutibilidade do ágio.

Nesse viés, as turmas passaram a adotar conceitos importados do estrangeiro, onde regras antielisão estão estabelecidas, como "substância econômica" ou "propósito negocial".

Essa fase também foi marcada pela invocação de requisitos estranhos à legislação de regência de ágio (Lei 9.532/97 e Lei 12.973/14) - "transferência de ágio", "real adquirente", "sacrifício econômico", entre outros - como substituto de onerosidade. Assim, os casos julgados pela 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, com duas exceções, tiveram recusada a dedutibilidade do ágio da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Em relação à qualificação da multa de ofício, a 1ª Turma da Câmara Superior, em maio de 2017,  passou a imputar a penalidade qualificada em 150% à identificação de ilícitos civis, como abuso de direito e simulação, fraude à lei ou simplesmente à presença de "artificialismo". Fora isso, durante este período, foi pouco valorizada a estrita subsunção  dos fatos aos conceitos de sonegação, fraude ou conluio, que autorizam a aplicação da penalidade agravada nos termos do art. 44, I, c/c §1º, da Lei 9.430/96 e da Lei 4.502/64.

Já a terceira fase teve início nos primeiros meses do ano de 2020, marcada pela suspensão das sessões presenciais em decorrência da pandemia da covid-19, e pela extinção do voto de qualidade promovida pela Lei 13.988/20.

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Após um momento inicial de paralisação dos julgamentos, o Carf retomou as sessões de forma virtual, inicialmente com inclusão em pauta de casos submetidos a uma limitação em relação ao valor de alçada. O que limitou o exame de casos de ágio por envolverem    normalmente valores relevantes.

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Com o aumento do valor de alçada e a inclusão de mais processos em pauta, começaram os primeiros julgamentos sobre o tema, já com o voto de qualidade extinto. Esses precedentes, julgados a partir do segundo semestre 2021, foram marcados por uma análise mais detida do caso em concreto e por uma revisão dos critérios que vinham norteando a segunda fase. As operações envolvendo o chamado "ágio interno" continuam sendo invalidadas pela 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, mesmo diante do voto de minerva a favor do contribuinte.

Esse é um ponto de interseção entre as três fases, pois as aquisições e reorganizações societárias sem presença de partes independentes nunca foram aceitas pela jurisprudência do Carf.

No que se refere à qualificação da multa de ofício, os precedentes identificados mostram uma clara mudança de posição da Câmara Superior de Recursos Fiscais, que se desapega dos institutos previstos na lei civil para imputar a majoração e, consequentemente, uma análise mais técnica  das condutas previstas na Lei 4.502/64.

Em um caso sobre o tema, julgado em setembro de 2021, a 1ª Turma da Câmara Superior faz uma análise minuciosa dos critérios de elisão lícita e ilícita, assim como da evasão, para fins de aplicação da multa qualificada. Pela análise deste e dos demais precedentes, a expectativa é que a jurisprudência se consolide nesse sentido.

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Apesar desse levantamento, em maior parte, ser favorável, o atual cenário do Carf é de incerteza. A suspensão, desde janeiro de 2022, das sessões de julgamento pela adesão de conselheiros representantes da Fazenda Nacional à greve da categoria, alinhada à  indefinição quanto à retomada das sessões presenciais, geram nos contribuintes dúvidas quanto aos desdobramentos dos julgamentos.

Em uma visão otimista, espera-se que no segundo semestre as sessões presenciais sejam efetivamente retomadas, possibilitando o retorno de julgamento das questões de ágio para a consolidação da jurisprudência administrativa sobre o tema.

*Raquel Novais e Fernanda Baracuí são, respectivamente, sócia e advogada da área tributária do Machado Meyer Advogados

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