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Agenda ESG e perguntas para o Cade

Por Gianfranco Cinelli , Leonardo Rocha e Silva
Atualização:
Gianfranco Cinelli e Leonardo Rocha e Silva. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O cumprimento das ambiciosas metas de ESG que vêm sendo anunciadas pelas grandes corporações parece depender da cooperação de vários atores das cadeias produtivas, considerando as sinergias que podem ser obtidas pela colaboração empresarial com escopo, duração e território delimitados e as dificuldades enfrentadas pelas empresas que tentam agir isoladamente e antes dos seus concorrentes. A colaboração multissetorial consta inclusive do objetivo de desenvolvimento sustentável número 17.16, da Organização das Nações Unidas (ONU), que fala da necessidade de se reforçar esse tipo de parceria para mobilizar e compartilhar conhecimento, expertise, tecnologia e recursos para o desenvolvimento sustentável.

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Nesse contexto, os diretores jurídicos das principais empresas do mundo passaram a ter que discutir mais temas complexos da aplicação de leis de defesa da concorrência, ou leis antitruste, que proíbem os acordos e as trocas de informações concorrencialmente sensíveis entre concorrentes. O intuito é apoiar os CEOs de maneira efetiva na definição de estratégias e programas ESG eficazes, mitigando os riscos de punição pelas autoridades antitruste.

Na Europa, há um movimento dos diretores jurídicos de várias empresas para sensibilizar a Comissão Europeia para que sejam publicadas orientações específicas sobre como as empresas, inclusive as concorrentes, podem cooperar para cumprir metas de sustentabilidade, sem que suas condutas sejam consideradas práticas anticompetitivas. Essas orientações são percebidas como fundamentais, porque muitas das medidas que poderiam ter resultados práticos do ponto de vista da sustentabilidade precisam de escala e possivelmente apenas poderiam ser adotadas mediante acordos entre empresas que são consideradas concorrentes diretos. As autoridades de defesa da concorrência da Holanda e da Grécia já expediram os seus guias com orientações específicas para as empresas e se comprometeram a considerar as justificativas e explicações sobre as medidas de sustentabilidade em vez de presumir a ilegalidade das condutas concertadas. 

Ainda que seja um tema novo, parece importante que também o CADE, autoridade antitruste brasileira, esteja mais aberto ao debate sobre os limites das ações empresariais (individuais e conjuntas) que tenham efeitos positivos em relação à agenda ESG. Com isso, seriam evitadas investigações desnecessárias, custosas e prejudiciais à reputação das empresas legitimamente decididas a atuar de forma mais sustentável. Mais especificamente, seria muito bom se o CADE, à luz dos termos da Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 12.529/2021), desse respostas claras a questões práticas parecidas com as que foram feitas, por exemplo, pelo grupo Food & Drink Europe, à Comissão Europeia:

Seria possível às empresas concorrentes justificar suas condutas concertadas, com base nos dados dos benefícios dos programas de sustentabilidade que pretendem adotar conjuntamente, na linha do que empresas puderam fazer quando da adoção de medidas de enfrentamento da pandemia de COVID-19?

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Em que circunstâncias uma empresa pode agir colaborativamente e disponibilizar aos concorrentes direitos de propriedade intelectual ou outros avanços tecnológicos gratuitamente ou por um preço abaixo do mercado, sob a condição de que aqueles que se utilizam de tais direitos se comprometam a adotar a nova tecnologia para que os benefícios da sustentabilidade não se limitem a uma única empresa?

Sob que condições o compartilhamento ou a divulgação de informações relacionadas a planos e inovações prospectivas, sem incluir informações confidenciais relacionadas a preços ou clientes individuais, mas visando a adoção de conduta uniforme na indústria, seria permitido se for necessário para alcançar metas de sustentabilidade?

Quais conjuntos de dados detalhados e atuais podem ser compartilhados pelos concorrentes, quando as trocas de dados históricos, agregados e anônimos não forem suficientes para a implementação de programas que visem ao cumprimento de metas de sustentabilidade?

Orientações do CADE em resposta a questões específicas como essas sobre a aplicação da Lei de Defesa da Concorrência seriam bem-vindas e gerariam mais segurança jurídica.

A agenda ESG está de fato na mesa dos CEOs e, consequentemente, dos diretores jurídicos das empresas que atuam no Brasil. Cabe às empresas a coleta de dados e documentos que comprovem a necessidade da colaboração, bem como a demonstração do nexo de causalidade entre a estrutura da colaboração proposta e a sua necessidade para enfrentamento das demandas relacionadas à conquista de metas de sustentabilidade. Cabe às autoridades, como o CADE, que tem se mostrado acertadamente preocupado com a segurança jurídica e a diminuição de incertezas quanto à aplicação da Lei de Defesa da Concorrência, participar mais ativamente desse processo. Não seria ótimo se a redação de um guia com orientações sobre as questões práticas aqui trazidas entrasse na pauta do CADE?

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*Gianfranco Cinelli é diretor jurídico da Yara Brasil Fertilizantes e cofundador do Jurídico Sem Gravata

*Leonardo Rocha e Silva é sócio da Prática de Direito da Concorrência de Pinheiro Neto Advogados

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