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Admirável energia nova

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Por Rodrigo Sauaia e Ronaldo Koloszuk
Atualização:
Rodrigo Sauaia e Ronaldo Koloszuk. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

São raras as soluções que resolvem, de uma só vez, diversos desafios cruciais enfrentados pela humanidade desde o princípio das civilizações até os dias atuais. A busca por soluções rentáveis, escaláveis e sustentáveis para os problemas do cotidiano é uma das principais forças que impulsionam o desenvolvimento e aprimoramento de processos produtivos e criativos, em diferentes as áreas do conhecimento humano.

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No setor elétrico, não é diferente. A tecnologia solar fotovoltaica, sobretudo na geração distribuída aplicada em telhados, fachadas e terrenos, reúne de forma excepcional esses atributos. Possui extrema versatilidade, podendo ser aplicada desde em pequenas calculadoras solares de bolso até em sistemas capazes de abastecer as necessidades de indústrias, comércios e outros grandes consumidores, privados ou públicos.

Os custos, já atrativos e cada vez mais acessíveis, aproximam a tecnologia de diferentes camadas da sociedade, encontrando amplo interesse e apoio de todas as classes sociais e econômicas. Os variados modelos de implementação trazem liberdade aos consumidores e democratizam o acesso às formas inovadoras e sustentáveis de se gerar eletricidade a preços inferiores aos oferecidos pelos monopólios de distribuição.

A tecnologia se destaca como uma grande locomotiva de crescimento econômico, com potente geração de empregos de qualidade, sendo uma alternativa efetiva de economia para os bolsos das famílias, balanços das empresas e orçamentos dos governos.

No passado, a motivação principal para o uso da energia solar fotovoltaica esteve ligada às questões ambientais e climáticas, tendo o mercado avançado pela responsabilidade e consciência de consumidores preocupados com os recursos naturais. No entanto, no século 21, a realidade da tecnologia, do setor e do mercado é outra. A forte redução de mais de 83% no preço dos equipamentos fotovoltaicos desde 2010, acompanhada do vertiginoso aumento nas tarifas de energia elétrica sobre os consumidores, levou a sociedade e os mercados a buscarem a geração distribuída solar fotovoltaica como uma forma eficaz de se blindar dos riscos inflacionários, com redução de custos e aumento de competitividade.

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Um sistema de geração distribuída solar fotovoltaica instalado no local de consumo ou em um local remoto, quando os consumidores não possuem telhado próprio, proporciona economia de até 95% na conta de luz, tanto para cidadãos comuns, quanto para empresas, propriedades rurais e prédios públicos, como escolas e hospitais.

O Brasil, privilegiado com um dos melhores recursos solares do mundo, finalmente despertou para as vantagens da geração distribuída solar fotovoltaica. O atraso, no entanto, ainda é evidente nos números, já que existem atualmente menos de 85 mil sistemas no País, frente a um universo de mais de 84 milhões de consumidores que poderiam se beneficiar com a tecnologia.

Em países bem menos ensolarados, como Alemanha, Japão, Reino Unido e diversos estados dos EUA, bem como em países em desenvolvimento, como Índia e China, os números de sistemas já ultrapassaram a marca de um milhão. Na Austrália, uma das líderes no uso da tecnologia em domicílios, uma em cada quatro residências já gera a sua própria eletricidade a partir do sol, ou seja 25% da sociedade já está integrada a este novo cenário do século 21.

Por isso, a missão e a responsabilidade de nossos governantes e líderes públicos estão muito claras: é preciso urgentemente recuperar o atraso brasileiro e ampliar o acesso à geração distribuída solar fotovoltaica pela nossa sociedade, até que atinja níveis mais abrangentes de participação no País.

Os benefícios da tecnologia solar fotovoltaica vão, no entanto, muito além das reduções na conta de luz, abrangendo aspectos econômicos, sociais, ambientais, elétricos e estratégicos. O setor também é responsável, por exemplo pela geração de empregos e renda no País, com cerca de 25 mil postos de trabalho criados nos últimos anos. Apenas em 2019, a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) projeta a criação, somente pela geração distribuída solar fotovoltaica, de mais de 15 mil novos empregos de qualidade, com salários acima da média nacional.

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Segundo estatísticas internacionais, para cada megawatt de energia solar fotovoltaica instalada por ano, são gerados de 25 a 30 empregos. Na Califórnia (EUA), o setor solar fotovoltaico já é tão pujante que emprega mais de 76,8 mil californianos, superando a somatória dos empregos das cinco maiores distribuidoras do estado. Isso demonstra, com fatos concretos, a relevância socioeconômica crescente da fonte solar fotovoltaica para a sociedade. Também indica a necessidade de uma profunda mudança de paradigma e postura sobre a tecnologia, com a evolução dos modelos de negócios do século passado, já ultrapassados diante destas e de outras rápidas transformações.

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Diante da célere transformação que a tecnologia solar fotovoltaica tem trazido ao País, muitos modelos de negócio têm se tornado obsoletos e já não atendem mais às necessidades econômicas, sociais e ambientais dos consumidores, do cidadão e da própria nação em constante modernização.

É o caso do atual modelo de negócios da distribuição de energia elétrica, baseado em um monopólio que prioriza seu faturamento e rentabilidade, em vez de ouvir os anseios do cidadão por mais liberdade, autonomia, poder de escolha e previsibilidade de custos. Em resposta a isso, o próprio cidadão se mobiliza, investindo em uma tecnologia mais barata, sustentável e democrática, que alia a economia à proteção ao meio ambiente.

É natural, apesar de lamentável, que haja resistência de alguns grandes grupos econômicos específicos ao avanço da geração distribuída solar fotovoltaica. Não por acaso, as informações de mercado apuradas pela Ouvidoria da Absolar apontam, dentre as queixas mais frequentes de empresários e usuários de geração distribuída solar fotovoltaica, (i) o descumprimento de prazos pelas distribuidoras para a emissão do parecer de acesso, exigido dos consumidores para conectar seu sistema à rede; (ii) o descumprimento de prazos pelas distribuidoras para a realização de vistorias aos sistemas, após instalação dos mesmos; (iii) o descumprimento de prazos pelas distribuidoras para a substituição do medidor de energia elétrica, para que o consumidor tenha sua geração solar fotovoltaica devidamente contabilizada e usufrua da energia renovável que gerou; (iv) os erros de leitura e de faturamento pelas distribuidoras de consumidores com geração distribuída solar fotovoltaica, trazendo prejuízos financeiros aos mesmos; (v) a ausência de sistema automatizado e online de distribuidoras para o recebimento de solicitações de acesso dos consumidores, uma obrigação exigida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) desde 1.º de janeiro de 2017; entre muitas outras tentativas de frear o desenvolvimento do mercado no Brasil.

Tratam-se de reclamações diárias e recorrentes, registradas nas cinco regiões do País. Parece que algumas distribuidoras ainda não perceberam que os tempos mudaram e que os consumidores não toleram mais posturas refratárias desta natureza e demandam serviços prestados com qualidade, respeitando as condições e os prazos regulatórios estabelecidos pela Aneel.

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Enquanto os empreendedores enfrentam fortes obstáculos do segmento de distribuição para desenvolver os seus negócios, as distribuidoras estão estruturando empresas paralelas, para atuar com geração distribuída solar fotovoltaica ou ainda adquirindo empresas já atuantes neste mercado.

Assim, como seria possível a geração distribuída solar fotovoltaica ser tão prejudicial às distribuidoras, já que elas mesmas têm montando seus próprios negócios no segmento? Fatos e discursos não estão coerentes: é sabido que as ações falam muito mais alto do que as palavras. Estariam as distribuidoras retardando o mercado, a fim de ganhar tempo para se preparar e abocanhar uma fatia maior do bolo?

Por vezes, estas iniciativas são aceleradas com projetos licitados pelas próprias distribuidoras, a partir de recursos dos Programas de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e de Eficiência Energética (PEE), da Aneel. Tais recursos são arrecadados pelas distribuidoras dos consumidores de sua área de atuação. Neste ambiente, as empresas de geração distribuída solar fotovoltaica, que não contam com os mesmos recursos e ferramentas para construir os seus negócios, sentem-se em desvantagem competitiva, com razão.

O receio das distribuidoras em relação ao crescimento energia solar fotovoltaica pode ser comparado com o movimento que o Brasil e o mundo fizeram em direção aos aplicativos de serviços em detrimento a alguns negócios mais conservadores. Exemplos não faltam: táxis e Uber; hotéis, imobiliárias e AirBnb; bancos e fintechs; restaurantes e iFood; empresas de logística e Loggi; telegramas, cartas e WhatsApp; locadoras de vídeos e Netflix...e por aí vai.

A perenidade de um negócio não está relacionada necessariamente com o nível de poder aquisitivo das empresas, mas sim com a capacidade de inovação para resolver problemas e atender demandas específicas do consumidor.

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*Rodrigo Sauaia é CEO da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), mestre em Energias Renováveis pela Loughborough University (Reino Unido) e doutor em Engenharia e Tecnologia de Materiais pela PUC-RS, com colaboração internacional na área de energia solar fotovoltaica realizada no Fraunhofer Institut für Solare Energiesysteme (Alemanha)

*Ronaldo Koloszuk é presidente do Conselho de Administração da Absolar

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