Sete meses após ter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) furtada por criminosos, Alberto Meireles Santana, um homem negro de 40 anos, foi acusado de participar de um assalto à mão armada em Bangu, zona Oeste do Rio de Janeiro, em 2019. A prova contra o homem que trabalha registrado no mesmo emprego há 20 anos foi o testemunho de uma vítima que o reconheceu através da fotografia 3x4 no documento furtado. Desde que virou réu por conta do crime que alega não ter cometido, o trabalhador tenta provar sua inocência e evitar sua prisão. Segundo levantamento da Defensoria Pública, o Rio de Janeiro é o estado com o maior número de casos de prisão injusta no País, com outras 72 ocorrências registradas nos últimos oito anos.
Dois relatórios produzidos pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ) em parceria com o Conselho Nacional de Defensoras e Defensores Públicos Gerais (Condege) apontaram falhas no sistema de identificação de criminosos por meio de reconhecimento fotográfico, que é utilizado pela polícia. Levantamento mostra que entre 2012 e 2020 foram realizadas pelo menos 90 prisões injustas através desse método. Ao todo, 79 casos levaram em consideração a raça dos acusados como informação conclusiva, com 81% dos envolvidos sendo pessoas negras.
O estudo feito pela Defensoria e Condege avaliou documentos de 10 Estados brasileiros. Diante da análise das informações, entidades chegaram a conclusão que o Rio de Janeiro é o estado com o maior número de casos de prisão injusta, com 46% das ocorrências. Nesses inquéritos, 83% das pessoas acusadas injustamente eram negras.
No caso de Santana, de acordo com o inquérito policial, a CNH do réu foi encontrada dentro de um veículo modelo Toyota Corolla, o mesmo tipo de carro utilizado pelo grupo que o havia assaltado. O documento apreendido foi apresentado pela polícia à vítima do segundo crime, que teria reconhecido o trabalhador pela fotografia e o identificado como autor.
Conforme sustenta a Defensoria Pública, Inicialmente, a mulher teria descrito o possível criminoso como uma pessoa de "de cor negra, altura aproximada de 1,70m, cerca de 25 a 30 anos, gordo, sem barba e de cabelo crespo". Divergindo do que foi informado no depoimento, Santana tem 1,80m.
Depois de ter os documentos furtados, o homem registrou a ocorrência dois dias após o ocorrido. Contudo, quase sete meses depois do incidente, Santana foi apontado como autor do assalto à mão armada em um inquérito aberto para investigar o crime cometido contra a mulher. Um ano após o início da ação, o Ministério Público do Rio de Janeiro ofereceu a denúncia contra o trabalhador requerendo a prisão preventiva, pedido que foi aceito pela 1ª Vara Criminal de Bangu.
Para a coordenadora de Defesa Criminal da Defensoria Pública do Rio, Lucia Helena Oliveira, o método utilizado por policiais no caso é responsável por injustiças e a prisão de inocentes em todo território nacional. "O reconhecimento fotográfico colhido, em total desrespeito à legislação processual penal, tem sido a causa de diversas injustiças, levando à prisão pessoas que não cometeram crimes, em completa afronta ao Princípio da Presunção de Inocência", afirma. "Vemos com muita preocupação provas como esta. Pretendemos indicar as falhas processuais e violações a direitos ocorridos no caso de Alberto, processado criminalmente, com prisão preventiva decretada, tendo o reconhecimento fotográfico, produzido na delegacia, servido para amparar todo este desfecho', continua.
A Defensoria Pública chegou a solicitar a revogação da prisão, contudo, não obteve sucesso no pedido. Ainda segundo a entidade, diante da "peculiaridade da situação", a Defensoria solicitou à 2ª Câmara Criminal, que realize sessão virtual para possibilitar sustentação oral em favor do réu. A Coordenação de Defesa Criminal impetrou habeas corpus a favor de Santana, a solicitação deve ser apreciada pelo Tribunal de Justiça do Estado.