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Acordos de Leniência como instrumentos de combate à corrupção*

Os acordos de leniência são instrumentos modernos de investigação, pois permitem o acesso a provas que, de outro modo, se encontrariam ocultas dentro das estruturas complexas de uma empresa moderna. Esses acordos trazem à luz e-mails trocados, contabilidades paralelas, modos de lavagem de ativos destinados ao pagamento da corrupção, dentre outros

Por Por Antônio Carlos Welter e Carlos Fernando dos Santos Lima
Atualização:

O procurador da República Antônio Carlos Welter Foto: Estadão

O procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima. Foto: Gisele Pimenta/Frame

Qual o objetivo de uma lei anticorrupção? Ora! Combater a corrupção, certamente! Aquilo que parece óbvio para qualquer cidadão não corresponde, contudo, aos anseios de alguns políticos. Para comprovar essa afirmação basta o exemplo do governo afastado.

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Em seu estertor, esse governo editou às pressas a medida provisória n.º 703, cujo objetivo principal era o de mutilar a Lei Anticorrupção (lei n.º 12.846, de 1.º de agosto de 2013) e tentar impedir acordos de leniência que empresas envolvidas na Operação Lava Jato estavam celebrando com o Ministério Público Federal.

E qual foi o motivo dessas modificações? Única e exclusivamente impedir que os Acordos de Leniência alcançassem os objetivos para os quais foram previstos, ou seja, de revelarem, mediante a colaboração da empresa, atos de corrupção na administração pública. No caso concreto, o envolvimento do Governo Federal na corrupção generalizada descoberta pelas investigações.

Naquela época, sob o falso argumento de que a lei anticorrupção tinha por objetivo a preservação de empregos, a medida provisória extinguiu a exigência de revelação dos atos de corrupção praticados pela empresa. Sem isso, o que era um poderoso instrumento de combate à corrupção, passou a ser uma garantia de que as empresas flagradas em uma investigação por esses crimes poderiam se livrar facilmente das penalidades cíveis e administrativas.

Felizmente, graças à reação da sociedade e da mídia, a MP 703 não se transformou em lei. Mas, tal qual um filme de horror classe B, esse mal ainda insiste em reaparecer. Como exemplo disso temos o pedido do Deputado Federal Paulinho da Força (Solidariedade) ao atual Ministro da Fazenda para a manutenção das regras da mal-afamada medida provisória, ou ainda pessoas do alto escalão do novo governo propugnando uma Lei Anticorrupção que tenha como objetivo o reaquecimento da atividade econômica.

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Nada mais errado. Volte-se para o básico. Os acordos de leniência têm a mesma natureza e finalidade do acordo de colaboração premiada, ou seja, quebrar a regra de silêncio entre corruptor e corrompido e produzir provas de atos de corrupção.

Os acordos de leniência, portanto, são instrumentos modernos de investigação, pois permitem o acesso a provas que, de outro modo, se encontrariam ocultas dentro das estruturas complexas de uma empresa moderna. Esses acordos trazem à luz e-mails trocados, contabilidades paralelas, modos de lavagem de ativos destinados ao pagamento da corrupção, dentre outros.

Aí está muito da prova que irá dar suporte material para os depoimentos em acordos de colaboração premiada a serem celebrados conjuntamente. Trata-se, portanto, de um arcabouço sistemático e lógico cujo objetivo final é maximizar a eficácia do combate à corrupção.

Não se nega que os acordos de leniência também trazem como efeito a reintegração da empresa à regularidade econômica, permitindo que retome suas atividades, inclusive contratando com o poder público. Porém, este efeito, embora desejável, sobretudo à luz do interesse econômico, é secundário ao interesse público de fazer revelar os ilícitos em que se envolveu a empresa.

Ou alguém pode defender que uma empresa, grupo econômico ou pessoa física deixe de responder por seus atos, simplesmente porque sua atividade, cuja ilicitude não quer discutir, vai ajudar a economia do país? Cabe refletir que uma resposta positiva a esta pergunta significa optar por um Brasil cuja atividade econômica seja baseada no ilícito e no crime.

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Assim, agora que novo projeto de lei sobre o assunto volta à discussão no Congresso Nacional, é preciso ter claro a real finalidade dos acordos de leniência. Reativação da economia e desenvolvimento são também objetivos nobres, mas devem ser buscados por outros instrumentos. Não podemos rifar o futuro que desejamos, um país livre da corrupção, por objetivos momentâneos ou de curto prazo.

O mal econômico que o país vive tem, dentre suas principais origens, a corrupção sistêmica em que estamos mergulhados, e o combate desse mal é necessário ao nosso pleno e duradouro desenvolvimento econômico.

* Antônio Carlos Welter - Procurador Regional da República e integrante da Força-Tarefa Lava Jato em Curitiba.

* Carlos Fernando dos Santos Lima - Procurador Regional da República e integrante da Força-Tarefa Lava Jato em Curitiba.

* Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo

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