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Acordo de Escazú: a foto em que o Brasil não apareceu

Por Renato Morgado , Rafael Giovanelli e Bruno Vello
Atualização:
Renato Morgado, Rafael Giovanelli e Bruno Vello. FOTOS: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

Certamente, o dia 22 de Abril de 2021 entrará para a história da governança ambiental e climática internacional. O governo dos Estados Unidos inicia uma promissora rearticulação para o enfrentamento da emergência climática, coordenando a Cúpula de Líderes sobre o Clima, que reúne os responsáveis por mais de 80% das emissões globais de carbono. Ao mesmo tempo, entra em vigor o Acordo de Escazú, o primeiro tratado internacional em matéria ambiental da América Latina e do Caribe e o primeiro do mundo com mecanismos específicos de proteção de defensores ambientais.

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Países como Uruguai, México e Argentina passarão a contar com as normas de Escazú como parte de seu ordenamento jurídico nacional. Terão acesso também a espaços internacionais de cooperação e coordenação, criados no âmbito do acordo, que têm o objetivo de avançar a agenda da democracia ambiental na região.

Se o Brasil sairá mal na foto da Cúpula do Clima, em função dos sucessivos retrocessos nas políticas ambientais e climáticas, nem aparecerá na foto inaugural do Acordo de Escazú. Apesar de o país ter desempenhado papel importante nas negociações e de ter sido um dos primeiros países a assiná-lo (em setembro de 2018), o Executivo Federal até hoje não o enviou para aprovação no Congresso Nacional, fato que impede sua ratificação e promulgação.

Negociado entre 2012 e 2018, a partir dos ideais contidos no Princípio 10 da declaração da Rio 92, o Acordo de Escazú promove os direitos de acesso à informação, à participação e à justiça em questões ambientais. Os seus vinte e seis artigos são um instrumento de fortalecimento de direitos civis e políticos e de aprimoramento da democracia ambiental. Definem diretrizes, mecanismos e procedimentos sobre como as pessoas devem ser ouvidas em decisões que afetem as suas vidas e a qualidade do meio ambiente. Ampliam a produção e o acesso público à informação ambiental. Promovem o acesso à justiça, por meio, por exemplo, do estímulo a resolução de conflitos e a obrigação de reparação de danos. Estabelecem, também, mecanismos de proteção e cooperação internacional para defensores ambientais, o que é especialmente relevante em nosso continente, que é o campeão mundial da violência contra aqueles que dedicam a vida para cuidar da Natureza.

Com isso, o acordo traz elementos fundamentais para uma governança ambiental efetiva, capaz de enfrentar grandes desafios do nosso tempo, como a redução das emissões de gases do efeito estufa, a adaptação às mudanças climáticas, a erradicação do desmatamento e a melhor gestão de impactos socioambientais de grandes projetos de infraestrutura.

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Fortalecer a cidadania, conferindo instrumentos para que a sociedade civil possa participar adequadamente da gestão ambiental, também é decisivo para o combate aos crimes ambientais. Garantir os direitos de informação, participação e acesso à justiça é fundamental para tornar os sistemas públicos e privados mais íntegros e menos propensos a desvios, além de permitir uma melhor detecção e responsabilização por ilícitos ambientais.

Por hora, o Brasil não será beneficiado pelo acordo. Vale destacar que o país vinha produzindo, nas últimas quatro décadas, uma legislação avançada e boas práticas nos temas de Escazú. Nos tornamos reconhecidos pelos instrumentos de gestão ambiental participativa, como os conselhos ambientais. Criamos uma legislação de transparência robusta e instituímos sistemas públicos de informação ambiental, como o PRODES e o DETER, que produzem dados de desmatamento. Também estruturamos instituições, como o Ministério Público, e instrumentos, como a ação civil pública e ação popular, fundamentais para a promoção do acesso à justiça e defesa de direitos em temas ambientais.

Esses instrumentos de governança foram fundamentais para o alcance de resultados concretos em nossas políticas ambientais, como a redução de 80% do desmatamento da Amazônia entre 2004 e 2012. Tudo isso posicionava o Brasil como um ator relevante na geopolítica ambiental.

Infelizmente, nos últimos anos, entramos em uma rota inversa. Vivemos graves e acelerados retrocessos, com a redução do espaço de participação da sociedade nas políticas ambientais, ameaças ao acesso à informação ambiental, perda de autonomia de órgãos de fiscalização e controle, dentre outros. A extinção e modificação em massa de conselhos participativos, que passou a acontecer a partir de 2019, acertou em cheio as instâncias da área ambiental. De 22 colegiados nacionais de meio ambiente, mais da metade (13) foram extintos ou reestruturados, com regras que restringem ou inviabilizam a participação de organizações da sociedade civil. Quanto à transparência, alguns exemplos incluem a tentativa de descredibilizar as instituições públicas responsáveis pela produção dos dados oficiais de desmatamento e a imposição de um conjunto amplo de restrições de comunicação aos órgãos ambientais e seus servidores.

Somam-se a isso os ataques constantes de autoridades do Executivo Federal, incluindo o próprio presidente da República, contra ativistas, jornalistas e ONGs, além de discursos e atos que incentivam invasões de Terras Indígenas e Unidades de Conservação, aumentando os conflitos e a violência contra defensores ambientais.

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Como já está cristalino, esse conjunto de retrocessos não só tem como consequência o agravamento da qualidade ambiental do país, incluindo recordes históricos de queimadas e desmatamento, como coloca o Brasil em uma situação internacional cada vez mais frágil, com reflexos crescentes nas relações diplomáticas e comerciais.

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Ao não sair, hoje, na foto inaugural do Acordo de Escazú, o Brasil perde uma grande chance de consolidar sua liderança internacional, pela qual tanto trabalhou nas últimas décadas. É um equívoco grave, que enfraquece o país na geopolítica ambiental, em um momento importante de rearticulação das forças globais. Certamente, a cadeira brasileira na Cúpula de Líderes fica ainda menor com a ausência do país na celebração de Escazú.

Apesar disso, ainda há tempo para a correção de rumos. Para isso, o Brasil deverá, o quanto antes, ratificar e implementar o tratado. Trata-se de uma oportunidade para o país começar a reverter a fragilização de sua reputação internacional dos últimos dois anos e retomar seu compromisso com a democracia, a cidadania ativa, a boa governança e a conservação ambiental.

*Renato Morgado, gerente da Transparência Internacional - Brasil

*Rafael Giovanelli, especialista em políticas públicas do WWF-Brasil

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*Bruno Vello, analista de políticas públicas do Imaflora

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